dezembro 19, 2025
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Dezenas de pessoas feridas pelas explosões já não são internadas diariamente nos hospitais de Gaza, mas o sistema de saúde continua a desmoronar-se e a colapsar, e novos problemas de saúde surgem da falta de cuidados ou de condições de vida “terríveis”, alerta Aitor Zabalgogeazkoa (Bilbau, 1964), coordenador de emergência dos Médicos Sem Fronteiras (MSF), que deixou a faixa em meados de Novembro.

“As pessoas só pensam na sobrevivência diária porque não conseguem pensar em mais nada. Já não têm espaço mental”, afirma em entrevista a este jornal de Madrid. Encontrar lenha e água, consertar uma barraca, transportar, comprar sapatos para as crianças ou remédios: esse esforço de sobrevivência ocupa grande parte do dia, e Zabalgogeazcoa diz que é difícil porque Israel está bloqueando grande parte da ajuda humanitária necessária, desde máquinas de ultrassom até peças de reposição para consertar um gerador.

“É lamentável ver o número de camiões à espera de autorização”, diz ele, explicando que MSF está atualmente a bloquear mais de 200 paletes provenientes de Israel, “porque há alguns itens que não cumprem as condições”.

Perguntar. O que significaram estes mais de dois meses de cessar-fogo na Faixa de Gaza?

Responder. O povo precisava dele a todo custo porque não aguentava mais, mas o cessar-fogo também contribuiu para tirar Gaza das prioridades e das primeiras páginas dos jornais. Claramente este era o objetivo de algumas pessoas.

PARA. E o que isso significa do ponto de vista médico?

R. Os feridos não são mais internados em hospitais às dezenas e todo o resto fica completamente paralisado. Há muitas coisas que Israel não permite, argumentando que podem ter usos duplos e serem usadas para fins militares, mas são necessárias. Por exemplo, fixadores externos para traumatologia, máquinas de ultrassom, peças de geradores e peças para automóveis ou para consertar o elevador do Hospital Al Nasser, de sete andares. São coisas que estão relacionadas com a prestação do serviço e que estão totalmente bloqueadas.

PARA. MSF possui atualmente materiais que não pode levar para Gaza?

R. Temos 221 paletes que Israel deitou fora porque alguns itens não cumpriam as condições. Sim, conseguimos trazer, por exemplo, materiais para abastecimento de água, que estava paralisada há vários meses. Acho que há muito caos e que tudo é um pouco caótico, não pode ser distorcido tão sutilmente. Ao mesmo tempo, coisas extras como Nutella estão acabando em Gaza.

PARA. COGAT, a organização israelita responsável pela coordenação da ajuda humanitária a Gaza, nega a informação da ONU e insiste que todos os alimentos necessários estão a ser fornecidos à faixa.

R. É sangrento ver a quantidade de caminhões parados do lado de fora esperando liberação. Israel diz: “Perdemos tantas toneladas”, mas estes carregamentos permanecem bloqueados do outro lado durante horas ou dias, aguardando autorização ou a chegada de camiões palestinianos. Dizem também que diluem a água, mas limitam-se a desviá-la para o outro lado da cerca, onde não funcionam bombas nem tubagens. A mesma coisa acontece com a eletricidade. Esta é uma meia verdade.

Dizem que distribuem água, mas limitam-se a desviá-la para o outro lado da cerca, onde não funcionam bombas nem canalizações. A mesma coisa acontece com a eletricidade. Isto é uma meia verdade

PARA. A sua posição é Coordenador de Emergência. Como pode coordenar uma situação de emergência como Gaza?

R. Como equipe, assumimos riscos que não teríamos corrido em outro lugar. Não sei se Gaza é pior ou melhor do que outros lugares, mas o facto de ser um lugar muito pequeno e confinado de onde as pessoas não podem sair muda a equação. Talvez tenhamos mais medo no Sudão ou na República Centro-Africana, mas em Gaza é preciso planear muitas operações, com quem as fazemos e, acima de tudo, é difícil conseguir recursos e ajuda. O positivo destes dois anos foi o entendimento que existiu entre todas as organizações.

PARA. Qual é a sua prioridade agora?

R. Abrigo. Tente colocar o máximo de material possível no inverno. E também água. A falta dessas duas coisas pode levar a muitos outros problemas de saúde. Quando deixei Gaza em Novembro, 85 mil tendas estavam bloqueadas porque Israel as tinha transformado em meros pedaços de metal. São necessárias um total de 300.000 lojas em Gaza. Acho que as fotos da chuva e da tempestade desta semana mostraram como as pessoas vivem. E ainda há muito inverno pela frente. Tem gente que dorme em carpete protegido apenas por cortinas e plástico.

PARA. No meio desta incerteza, como está planeada a assistência humanitária para os próximos meses?

R. Vamos mês após mês porque não conseguimos procurar mais. E as pessoas também só pensam na sobrevivência diária, porque não conseguem pensar em mais nada, não têm espaço mental. Estas tendas são ocupadas por advogados, professores, comerciantes… pessoas que nunca cozinharam com lenha e não sabem como proteger bem uma tenda porque nunca tiveram que passar por isto antes como a maioria de nós. A sobrevivência leva-lhes várias horas por dia: ir ao mercado, procurar lenha, procurar um veículo… As condições de vida são terríveis.

PARA. Outra questão premente, segundo a OMS, é a evacuação de pacientes. A ONU estima que mais de 16 mil pacientes devem deixar Gaza, mas entre 13 de outubro e 1 de dezembro, 235 pessoas e seus acompanhantes deixaram Gaza.

R. Recebemos muitas pessoas que não podemos tratar e que têm de ser evacuadas. Algumas pessoas esperam meses. Israel diz que pode partir, mas não o faz. São muitas restrições, de transporte, de documentos… E no caminho a gente perde muita gente. Estamos falando de casos oncológicos ou traumáticos muito complexos, bem como de pacientes crônicos que não são tratados há dois anos, por exemplo, diabetes. Muitos deles são idosos que não constam dos relatórios de vítimas ou das listas de evacuação.

À medida que os hospitais ficam sobrecarregados com os feridos das explosões, outras questões continuam a ser deixadas de lado, como a saúde materno-infantil ou a subnutrição, questões que estão agora a vir à tona.

PARA. Como caracterizaria o sistema de saúde na Faixa de Gaza neste momento?

R. Este é um sistema completamente desmontado. À medida que os hospitais ficam sobrecarregados com os feridos das explosões, outras questões permanecem marginalizadas, como a saúde materno-infantil ou a subnutrição, questões que estão agora a vir à tona. Por exemplo, MSF tem dois centros de saúde no sul do setor, em tendas. Atendemos de 800 a 900 pessoas por dia. Há uma sensação de que não há pessoal suficiente, não há espaço para todos…

PARA. Uma mulher entrou em trabalho de parto hoje na Faixa de Gaza. Devo ir para o hospital? Eles vão cortejá-la?

R. Se ela conseguir chegar lá, com certeza será tratada, mas muito provavelmente será uma mulher que não foi examinada antes e poderá ter problemas durante o trabalho de parto que a levarão à sala de cirurgia. Vimos os primeiros sinais de desnutrição grave em Gaza, não em crianças, mas em mães que não conseguem comer adequadamente durante a gravidez, e isso pode levar a complicações. A declaração de fome em Agosto deveu-se em grande parte a estas mulheres.

PARA. Foi dada especial atenção à saúde das mulheres de Gaza?

R. Se Gaza retrocedeu 30 anos desde 2023, então as mulheres de Gaza retrocederam 40 anos. E a situação de sobrelotação, falta de assistência e total falta de higiene e privacidade continua a ser muito difícil e muito sensível para muitas mulheres sob vários pontos de vista.

Se Gaza retrocedeu 30 anos desde 2023, então as mulheres de Gaza retrocederam 40 anos.

PARA. A saúde mental também faz parte da lista de questões negligenciadas que estão surgindo agora?

R. Esta é uma grande incógnita. MSF emprega atualmente oito ou nove psicólogos. Quantos casos você consegue lidar? 20, 30… E veem sintomas clínicos muito alarmantes, contra os quais pouco podem fazer, porque o gatilho desse trauma ainda está aí, presente. Também estou muito preocupado com os profissionais de saúde.

PARA. Significa quem cuida do cuidador

R. Preciso. Temos colegas que há dois anos não tiram um dia de folga, que não conseguem relaxar numa barraca, sabendo tudo o que precisa ser feito.

PARA. Ao ouvi-lo, a imagem de Gaza parece a imagem de um navio que vaza por toda parte.

R. Para todos, embora existam aspectos que até agora estavam mais ocultos.

Referência