dezembro 22, 2025
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Dadas as dificuldades em garantir a plena implementação dos direitos reconhecidos nas leis, algumas propostas apontam para uma fórmula que parece garantir a proteção constitucional desses direitos. Assim, dado o incumprimento do mandato que a Constituição confere ao Estado para garantir o acesso a uma habitação digna e adequada, algumas vozes defendem a sua promoção constitucional, do artigo 47.º ao estatuto de direito fundamental que pode ser aplicado pelos tribunais.

Esta ideia de protecção constitucional surgiu pela primeira vez numa altura em que Espanha sofria de desemprego desenfreado e alguém surgiu com a brilhante ideia de protecção constitucional para o direito ao trabalho de todas as pessoas. Mais recentemente, foi proposta uma controversa reforma constitucional para proteger o direito à interrupção voluntária da gravidez face a uma ofensiva da direita contra tal conquista para as mulheres. Além disso, neste caso a ideia é bastante estranha, pois se a reforma proposta for concretizada, o aborto terá menos protecção constitucional.

Há também quem defenda que a reavaliação anual das pensões deve ser garantida pela reforma constitucional, que garantirá a reavaliação para sempre, independentemente da situação económica e política em cada momento.

Estas propostas bem-intencionadas respondem a um curioso conceito de sociedade que combina a simplificação de problemas socialmente complexos, a mitificação do poder das leis e a ingenuidade da ideia de que as constituições são como tábuas da lei de Deus.

Pensar que o texto de uma norma, mesmo que tenha o valor e a força vinculativa da Constituição, está protegido dos caprichos da economia e da sociedade, é voluntarismo, cheio de ingenuidade. Além disso, isto implica uma concepção antipolítica da política que tende a petrificar a vida social.

A Constituição, escrita num momento único da nossa história, tornou-se um bem comum que deve ser protegido. É verdade que há aspectos, como os relacionados com o sistema educativo e a interferência da religião nas escolas ou a estrutura territorial do Estado – para citar apenas alguns – que podem claramente ser melhorados. Além disso, grande parte do progresso social, civil e político alcançado nas últimas décadas foi possível, entre outros factores, pelo texto constitucional e pela sua interpretação pelos primeiros tribunais constitucionais.

Mas não devemos ignorar o facto de que a jurisprudência constitucional é o resultado da “realidade social do momento” a que o Código Civil se refere como critério de interpretação das leis. Um conceito jurídico que tem raízes comuns com o que os clássicos chamavam de equilíbrio de poder, ideia misteriosamente esquecida por alguns setores da esquerda.

Hoje, esta realidade social – isto é, o equilíbrio de poder – favorece cada vez mais a nível global processos de despedimento como os promovidos pela direita patriótica. Em alguns casos é bem sucedido. Por exemplo, na interpretação do artigo 2.º da Lei Básica e no complexo equilíbrio que estabelece entre a unidade nacional e a autonomia, visando a diversidade – de nacionalidades e de regiões – sem ignorar a exigência de igualdade das pessoas.

A Constituição de 1978 é uma expressão do equilíbrio de poder do momento e o resultado de um pacto de impotência comum: os sucessores do regime franquista sem Franco e as forças democráticas revolucionárias. O resultado é um texto aberto em muitos aspectos (outros muito menos, como a forma do Estado) que defende vários conceitos políticos que se enquadram numa sociedade democrática. Como deveria ser, aliás.

Mas o receio de que a nossa dramática história constitucional se possa repetir levou os eleitores a fazerem exigências muito fortes de reforma constitucional. Algumas pessoas reclamam dessa dureza e têm razão. Embora com os ventos soprando pela Espanha e pelo mundo, talvez devêssemos considerar isso uma dádiva de Deus. Receio muito que, se uma grande reforma constitucional fosse iniciada hoje, o resultado seria muito mais regressivo do que há cinco décadas.

É portanto surpreendente que haja quem considere este tipo de veículos blindados politicamente viável, dado o actual equilíbrio de poder. Mas o mais importante é que, no caso improvável de sucesso, eles escudos de pergaminho. A sabedoria popular diz que o papel resiste a tudo, e o pergaminho é mais durável que o papiro, mas não a ponto de garantir para sempre o exercício dos direitos.

A ideia de armadura contém uma mensagem desmobilizadora. Isto nos faz pensar e acreditar que os direitos uma vez conquistados duram para sempre. Vale lembrar que, como sempre ao longo da história, a conquista, o fortalecimento e a proteção de direitos não são para toda a vida. Cada geração deve travar as suas próprias batalhas. Nós, da esquerda, deveríamos ter muito mais fé nas possibilidades da luta social e na sua estrutura política do que num texto constitucional que se transformou numa espécie de Epístola de Moisés.

Referência