novembro 18, 2025
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Nadia Comaneci regressou a Madrid. A lenda olímpica, autora de 76 dos 10 primeiros da história das barras assimétricas, radicada em Montreal, participou ontem do Metafuturo, evento que reuniu líderes e especialistas para discutir os desafios do novo mundo. Durante a visita, ela também pôde ser vista no Santiago Bernabeu, onde assistiu ao histórico primeiro jogo da NFL disputado na Espanha. E além de tudo isso, ela ainda encontrou tempo para falar no ABC sobre o papel da mulher no esporte moderno e relembrar alguns marcos de uma vida marcada pela habilidade e pela resistência.

-Como foi no Bernabéu?

-Foi incrível. Quando soube que estaria em Madrid e que o jogo seria histórico porque seria o primeiro em Espanha, disse: “Tenho que estar lá”. Eu gostei. Show de entretenimento incrível, muito único. Eu me pergunto como o público na Espanha reagiu. Acho que foi uma experiência fantástica.

– Há alguns meses você também passou por Madrid para participar da cerimônia dos Prêmios Laureus. Ele estava em uma mesa redonda com Armand Duplantis e Rebeca Andrade, e a primeira coisa que fez foi fazer todo mundo se espreguiçar. Qual a importância do esporte na sua vida?

-Todos. Existem três coisas importantes na vida: bom sono, exercício e boa alimentação. É muito importante se cuidar nessas três coisas.

– No seu discurso você falou sobre as barreiras que o esporte feminino continua destruindo. Quanto falta fazer? Onde precisamos avançar?

-Progresso foi feito. Quando comparo a situação atual com o que era há muito tempo, quando comecei, a igualdade está a aumentar. Ganhei respeito pela minha capacidade atlética desde muito cedo. Já foram feitos progressos na ideia de ter mulheres em posições de liderança. E penso que graças ao desporto muitos estereótipos foram quebrados. Havia esportes que deveriam ser apenas para homens porque havia uma ideia e uma cultura de que as mulheres não eram fortes o suficiente para praticar esportes pesados. Isto já foi provado ser falso. As mulheres deveriam ser capazes de praticar tudo como os homens. E o salário não é mais o mesmo, mas está cada vez mais próximo. E os homens também têm um pouco mais de tempo de televisão do que as mulheres. Estas são áreas onde melhorias podem ser feitas.

Nadia Comaneci durante entrevista à ABC

José Ramón Ladra

-Você era uma garota que passou por extrema disciplina para alcançar o sucesso atlético. Que modelo de ginastas do futuro você defende hoje?

-Parece que foi ontem. Agora eu aprecio muito mais o que essa garota de 14 anos fez. Foi uma época em que tivemos poucas oportunidades. Minha mãe me mandou para um lugar bem pequeno onde as pessoas faziam manobras, sem saber que isso me levaria a esse momento. Acho que não teria entendido a importância da disciplina e da resiliência se não tivesse praticado esportes. Sem esse trabalho extremo. Acho que todo mundo passa por algum tipo de estresse na carreira, não importa o que faça, principalmente no esporte. Se você quiser ser o melhor dos melhores, terá que trabalhar duro. Agora existem modelos diferentes porque há muito mais informações do que antes. E com a IA você pode medir o que precisa trabalhar no seu corpo, quanta força você tem, quantas horas são boas para você, quando você precisa fazer recuperação… Mas o trabalho é o mesmo; Apenas mais comunicação.

-Escolha um: disciplina ou talento?

– Disciplina e talento devem andar de mãos dadas. Um não funciona sem o outro. Se você tem talento mas não trabalha, só funcionará uma vez.

– O próximo ano marca o 50º aniversário dos primeiros 10 torneios em Montreal. Você se lembra bem daquele dia ou de algum detalhe específico?

-Sim, sim, lembro de tudo: do dia a dia, do momento de realizar o exercício… Lembro também como o placar não conseguia mostrar a pontuação, porque não previa que alguém tiraria dez. Eu não sabia que estava fazendo história. Queria fazer os exercícios sem erros, isso me deixou feliz. Acho que o 50º aniversário é celebrar um momento histórico que mostra que qualquer um pode ser grande. Não importa onde você nasceu. Isso pode ser alcançado com muito trabalho, dedicação e as pessoas certas ao seu redor. É difícil acreditar que continuo conhecendo pessoas que dizem que sou uma influência.

– Você está preparando um documentário sobre esse momento para o próximo ano. O que será visível nele que ainda não é conhecido?

– Haverá muitas fotos de quando eu era pequeno, muitas gravações em preto e branco antes de me tornar campeão olímpico. Isso vai mostrar um pouco do meu caráter, da vida com minha família. Contará a história de uma garota que decidiu nunca desistir e tentou ver a luz no fim do túnel. Ainda estamos trabalhando nisso. Este é um documentário histórico. Também celebra a cultura do meu país.

– Uma vez disseste que a tua fuga da Roménia de Ceausescu foi um acto de inconsciência. Mas quantas vezes você já pensou: inconsciência feliz?

-Acredito que cada um faz o melhor que pode com o que tem. Nasci na Roménia. Estava rodeado de uma família maravilhosa e da oportunidade de fazer ginástica lá. Sim, foi um momento difícil não só para mim, mas para todos, porque não havia liberdade. Mas tentei aproveitar ao máximo esta comunidade, esta família. E quando senti que queria fazer mais, decidi ir embora. Mas depois a Roménia tornou-se um país livre e voltei com tudo o que aprendi nos Estados Unidos. E agora sou um homem que tem duas famílias. Dois países. Sinto-me em casa aqui e ali. E me considero muito sortudo nisso. Eu não mudaria nada. Sempre me senti um pouco livre porque sempre fazia o que queria de maneiras diferentes.