novembro 18, 2025
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Afiado, forte, direto. Alessandra Corap (1985), mais conhecida como Alessandra Mundurucu, a ativista indígena mais influente do Brasil, se expressa com autoridade. “Quero conversar mais, não quero que você me interrompa”, diz ele em determinado momento da entrevista. Alessandra Mundurucu hospeda elDiario.es a bordo do navio “Imperatrice” no rio Guam. Cercado por sua família, durante uma pequena pausa no meio de sua intensa programação durante a COP30, Korap fala sobre as demandas indígenas, a importância da conservação da selva e sua relutância em ouvir o presidente brasileiro Lula da Silva. “Ele é surdo e ainda cego. Não estudou o suficiente”, diz ele.

Quando o microfone não está gravando, Korap brinca sobre a ocupação indígena da Zona Azul ocorrida no segundo dia da COP30. “A ONU achava que ninguém poderia ocupar a Zona Azul, mas nós viemos e ocupamos”, diz ele, sorrindo. Por sua vez, na última sexta-feira, o povo Munduruku bloqueou o acesso à Zona Azul, exigindo a demarcação de duas terras indígenas no rio Tapajos que estão ameaçadas por garimpeiros, mineradoras e por um polêmico novo projeto hidroviário. Após o bloqueio, Alessandra Corap entrou na Zona Azul para negociar com o governo, que demarcou imediatamente as terras indígenas.

No Brasil, Alessandra Mundurucu é um ícone da música pop. Seu rosto está impresso em paredes, paredes, camisetas. Ele aparece nas capas de revistas de moda. Ela é um dos povos indígenas mais respeitados do mundo. Em 2019, discursou para mais de 270 pessoas no Portão de Brandemburgo, em Berlim. Em 2022, ganhou o Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos nos Estados Unidos. Em 2023, recebeu o Prêmio Goldman, considerado o Prêmio Nobel do meio ambiente.

Na última sexta-feira, moradores Munduruku bloquearam o acesso à Zona Azul da ONU. Quais foram os motivos?

A ONU afirma ter 192 países, e todos estes países não nos ouvem. Estamos na minha casa, às margens do Amazonas, no estado do Pará. Alguns de nós até temos acesso ao espaço (Zona Azul), mas não temos voz. Sei que estão sendo feitos esforços para ouvir os povos indígenas, mas não é suficiente. Eles precisam ouvir, escutar e sentir muito mais o que está acontecendo com os rios, com as selvas e, principalmente, com os povos indígenas.

Após a redução, os moradores de Munduruku foram recebidos por Sonia Guajajara (Ministra do Indígena) e Marina Silva (Ministra do Meio Ambiente). O governo demarcou duas terras indígenas Munduruku pendentes. Eles não poderiam ter feito isso antes?

Em Brasília o presidente nunca nos escuta. Agora foi aprovado o Decreto 12.600 (decreto presidencial que abre caminho para a construção de hidrovias em alguns rios amazônicos). É por isso que dissemos que bloquearíamos agora o acesso à ONU. Outros países também são responsáveis ​​porque compram minerais e madeira das nossas terras. São eles que incentivam o governo brasileiro a criar leis e nos expulsar do nosso território. Eles são responsáveis ​​por matar nosso rio e impedir a demarcação de terras indígenas no Brasil.

No segundo dia da COP30, a Zona Azul de negociações foi ocupada pela primeira vez na história. Foi nesse momento, num dos principais espaços paralelos, a COP do Povo, que os ativistas notaram que os indígenas haviam entrado na Zona Azul como se fosse um gol na Copa do Mundo. Alguns tentaram ocupar a Zona Azul após a cimeira de Copenhaga em 2009. Como conseguiram isso?

Temos muita força. Costumamos dizer que tiramos muita energia do rio, da selva, dos rituais que realizamos. Isto é o que nos motiva. Os inimigos nos tornam invisíveis. Quando os inimigos não prestam atenção em nós e se perdem, já estamos lá, realizando a ação para que ela possa ser vista de todo o planeta.

Qual é o significado da conservação das florestas para os povos indígenas e para o clima global? Hoje em dia, todos os povos indígenas que participaram em discussões ou fizeram declarações nos meios de comunicação enfatizaram que estão profundamente conscientes das alterações climáticas…

Nenhuma empresa mineira ou petrolífera se preocupa com o ambiente. Na Europa, as pessoas sentam-se ao frio ou ao ar condicionado, decidindo em que escritório vamos ficar. Aqui já estamos a sentir as alterações climáticas. A terra está secando. Quando está muito calor, mandioca, açaí, queima. Os rios secam e os peixes morrem. Já sentimos incêndios e doenças. Se os rios secarem, onde beberemos água? Temos que comprar água porque a água desapareceu. Queimam a selva para plantar soja, e a fumaça é pior que a poluição em São Paulo. A Amazônia está um caos porque empresas financiam o agronegócio para invadir nossas terras.


O governo brasileiro propôs a criação do Fundo Florestas Tropicais em Pé para Sempre (TFFF), um fundo global para a conservação florestal. Como você explicaria para alguém da Europa que na maioria dos casos nesta floresta em pé há habitantes, pessoas que cuidam da floresta, povos indígenas, pessoas da África, Ribeirinha?

Olha, quem veio do mundo inteiro para a COP30 já percebeu que Belém é uma cidade grande. Existem edifícios, casas, carros, tecnologias, aviões. Povos indígenas, pescadores, Ribeirinhos, estávamos calmos. De repente a cidade e as empresas chegam, expulsando-nos. Eles colonizam mentes com dinheiro porque precisam nos dividir. Quando o governo diz que vai investir recursos, eles não vêm até nós. Os cuidados de saúde são instáveis, estamos doentes. As mulheres ficam doentes por causa do mercúrio dos garimpeiros. E agora todas essas empresas vêm e invadem nossas terras e dizem que vão salvar a Amazônia…

Além do investimento governamental, seria importante contar com financiamento direto de um fundo global proposto pelo Brasil e administrado diretamente por povos indígenas e comunidades locais que ajudam a conservar as florestas?

O governo acredita que somos incapazes disso. Mas se tivermos tudo, estamos muito organizados. Temos fundações, associações, institutos e meios de comunicação. Claro que somos capazes.

Movimentos ambientalistas de todo o mundo vieram a Belém, assim como movimentos sociais de todos os tipos. Você acha importante que os povos indígenas unam forças com os movimentos sociais urbanos, mesmo do norte do planeta?

Sim, esta união me parece importante. A cidade também está sofrendo. As cidades estão acordando. Os jovens estão acordando. Mas isto não é suficiente. Precisamos de travar o desenvolvimento do capitalismo, que nos está a matar. Quem veio à marcha (Marcha Mundial pelo Clima no último sábado) entende a importância de preservar o meio ambiente e sabe que as mudanças climáticas estão acontecendo. Fico muito feliz em ver que esse grito não pertence só a mim, mas a todos.

Poucas semanas antes da conferência, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) informou sobre a perfuração de petróleo na foz do rio Amazonas. O que você acha da ideia de continuar a produção de petróleo?

Quando se abre o caminho para um grande projeto que vai prejudicar o meio ambiente, os rios, as cidades da selva, abre-se a porta para outros projetos. Se não houve consulta prévia, como neste caso, o direito é violado. A perturbação da natureza e dos povos indígenas já começou. Se houver um derramamento de óleo, quem será o responsável?

Apesar das contradições do presidente Lula da Silva, Sonia Guajajara, Ministra dos Assuntos Indígenas, apareceu no governo pela primeira vez na história. Como o senhor avalia o governo Lula em relação aos povos indígenas?

O presidente Lula tem muito que aprender. Seu primeiro erro foi a construção da hidrelétrica de Belo Monte (referindo-se à hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, construída no reinado de Dilma Rousseff). Depois disso, eles tentaram obter ainda mais saques dos rios sagrados. Depois no nosso Rio Tapajós. A barragem só não teve tempo de ser construída porque não deixamos passar pesquisadores e técnicos.

Agora ele diz que escuta os povos indígenas, mas aprova a privatização do nosso rio pela Ordem Executiva 12.600. Perfuração de petróleo aprovada Ferrogrão (ferrovia para transporte de soja do sul até o Rio Amazonas). Quero dizer, ele ainda é surdo, ainda é cego. Ele não aprendeu o suficiente. Isto não é respeitar os direitos dos povos indígenas. Não adianta falar de meio ambiente sem ouvir os povos indígenas.

Havia muitas placas ao longo da marcha que diziam “eu sou corpo-território”. Como você explicaria de forma didática aos europeus que os povos indígenas veem a natureza não como algo externo, mas como parte do seu corpo?

Os brancos usam a Bíblia, as religiões. Se você danificar esta Bíblia, eles sentirão que danificaram o corpo, certo? Você está ferindo o espírito dele. Por que não podemos dizer que o rio e a selva fazem parte do nosso corpo? Se o padre se machucar, os brancos ficarão indignados. Se você rasgar a Bíblia, eles ficarão ofendidos. Por que o rio não pode ser nosso deus? Os brancos não entendem que rio é um corpo, é um território, é natureza.


Mural dedicado a Alessandra Corap Munduruk, realizado em São Paulo pelo artista Mundano a partir de cinzas de incenso e lama da enchente do Rio Grande Sul.

Há algumas semanas você foi capa de uma revista. Moda. Por que você aceitou? Foi uma homenagem às mulheres, ao movimento feminista?

Bem, temos que ensinar os homens a respeitar as mulheres. Eles deveriam deixar espaço para as mulheres. Sobre a revista Vogue… Nunca ouvi falar, porque a minha luta é no chão, no confronto. O mundo da moda precisa entender que precisa valorizar mais os produtos da natureza e ajudar quem precisa. Há comunidades que não têm escolas nem água. A moda não entende que estamos lutando pelo território que é o rio. Os fashionistas não se importam com selvas e rios. Eles precisam mudar e começar a falar da natureza e dos povos tradicionais, certo?

Como as mulheres defendem o território?

Todo mundo sabe disso, não é segredo. Eu não ando sozinho. Decidimos tudo juntos. Somos nós que frequentemente entramos em confronto. O que acontece é que em muitos casos ficamos invisíveis. Aprendo muito com as mulheres.

Falando sobre sua imagem. Ele ganhou muito poder nas redes sociais. E os povos indígenas são muito organizados em termos de comunicação. Eles têm grupos como Povos indígenas do Médio…Qual a importância das mídias sociais para o seu negócio?

Eu os uso muito. Eu uso eles para mostrar nossas músicas, para julgar, para passar uma mensagem, porque às vezes ninguém quer nos ouvir. Eles se tornaram armas. A tecnologia ajuda na nossa luta. E muito. Não quero ser morto depois de ficar invisível. Agora quero falar sobre a luta. Quero mostrar a todos o nosso rio, a nossa selva, a nossa cidade.

Como você imagina o futuro?

O futuro depende dos jovens, das crianças. Se crescerem nas universidades, nas escolas, se lhes ensinarmos em casa o que significa respeitar os povos indígenas, se usarem a tecnologia para tornar visível a conservação da Amazónia, o futuro melhorará. Se não formos respeitados, não há delimitação de terras e apenas a terra sangra, será um desastre e o céu cairá.