O aumento de alimentos altamente processados na dieta global representa um desafio urgente de saúde pública que requer políticas coordenadas e esforços de sensibilização para o enfrentar, de acordo com uma nova série de três artigos da autoria de 43 especialistas internacionais e publicados no The Lancet. … '.
A série revela Táticas utilizadas pelas empresas de alimentos processados para aumentar o seu consumo e obstruir a política eficaz. Também oferece um roteiro para a mudança rumo a uma regulamentação governamental eficaz, à mobilização comunitária e a alimentos mais saudáveis, mais acessíveis e baratos.
Desde a criação da classificação Nova em 2009, que categoriza os alimentos em quatro grupos com base no seu nível de processamento, as evidências científicas têm demonstrado consistentemente que os alimentos ultraprocessados estão a excluir os padrões alimentares tradicionais, reduzindo a qualidade da dieta e aumentando o risco de inúmeras doenças crónicas.
Em resumo, os dados da pesquisa nacional indicam um aumento constante no consumo de alimentos ultraprocessados:Nas últimas três décadas, a sua contribuição energética triplicou em Espanha (de 11% para 32%) e na China (de 4% para 10%).aumentou significativamente no México e no Brasil e excede 50% nos EUA e no Reino Unido.
Dietas ricas em alimentos ultraprocessados estão associadas à alimentação excessiva, à má qualidade nutricional e ao aumento da exposição a substâncias nocivas.
Revisão sistemática Dos 104 estudos, 92 relataram um risco aumentado de doenças crónicas.com associações significativas com obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, depressão e morte prematura.
Embora existam críticas à classificação da Nova, como a falta de ensaios de longo prazo e a necessidade de uma melhor compreensão dos mecanismos envolvidos, alerta Mathilde Touvier, do Instituto Nacional de Saúde e Pesquisa Médica (Inserm) da França, “o acúmulo de evidências confirma que dietas ricas em alimentos ultraprocessados prejudicar a saúde global e justificar a necessidade de ação política“
Política
O segundo artigo apresenta um conjunto de medidas coordenadas para reduzir a produção, comercialização e consumo de alimentos altamente processados e responsabilizar as grandes empresas pelo seu impacto em dietas pouco saudáveis.
Ele argumenta que melhorar a dieta mundial requer ações específicas sobre alimentos ultraprocessados, complementando as leis existentes que visam reduzir gordura, sal e açúcar.
Entre as ações propostas estão as seguintes: inclusão em rotulagem frontal dos ingredientes característicos dos alimentos ultraprocessados (como corantes, sabores e adoçantes), introduzir restrições mais rigorosas à publicidade, especialmente dirigida às crianças, e aos meios digitais, proibir os alimentos ultraprocessados nas agências governamentais e limitar a sua presença nos supermercados.
Um exemplo é o programa de alimentação escolar do Brasil, que eliminou a maioria desses alimentos e exigirá que 90% dos alimentos sejam frescos ou minimamente processados até 2026.
Além disso, o artigo enfatiza que essas regulamentações devem ser acompanhadas de ações para aumentar o acesso a alimentos frescos, como impostos sobre alguns produtos ultraprocessados destinado a financiar subsídios para famílias de baixa renda. Os especialistas concordam que as políticas devem ser adaptadas a cada país, mas há uma necessidade urgente de combinar uma regulamentação rigorosa de produtos de qualidade inferior com um apoio realista para garantir que todos tenham acesso a opções saudáveis e práticas.
“O crescente consumo de alimentos ultraprocessados está mudando as dietas em todo o mundo, substituindo os alimentos frescos e minimamente processados. Esta mudança nas dietas é impulsionada por poderosas corporações globais que obtêm enormes lucros ao priorizar os alimentos ultraprocessados, apoiadas por um marketing intensivo e por um forte lobby político que visa acabar com políticas de saúde pública eficazes que promovem a alimentação saudável”, condena Carlos Monteiro, da Universidade de São Paulo (Brasil).
De acordo com Camila Corvalan, da Universidade do Chile, para resolver este problema, “os governos devem assumir a liderança e implementar políticas ousadas e coordenadas, desde a inclusão de classificações UPF nas embalagens frontais até à restrição da comercialização e à introdução de impostos para financiar um maior acesso a alimentos nutritivos e acessíveis”.
Como mostra o terceiro artigo, o crescimento global do consumo de alimentos ultraprocessados é impulsionado principalmente não por decisões individuais, mas por poder e estratégias das grandes corporações. Estas empresas utilizam ingredientes baratos, processos industriais e marketing agressivo para maximizar os lucros e expandir o consumo, criando um sector altamente lucrativo com vendas globais de 1,9 biliões de dólares. A sua enorme rentabilidade permite-lhes expandir a sua influência política, económica e cultural, moldando sistemas alimentares à escala global.
Marion Nestle, da Universidade de Nova Iorque (EUA), acredita que “melhorar a nutrição em todo o mundo requer políticas adaptadas à situação específica de cada país e ao grau em que os alimentos ultraprocessados estão incorporados nos hábitos alimentares diários. “Embora as prioridades possam variar, são necessárias ações urgentes em todos os lugares para regular os alimentos ultraprocessados, juntamente com os esforços existentes para reduzir o seu elevado teor de gordura, sal e açúcar”.
Neste sentido, György Skrinis, da Universidade de Melbourne (Austrália), acrescenta que “é vital que as políticas garantam a disponibilidade e acessibilidade de alimentos frescos e minimamente processados. Somente combinando uma regulamentação mais forte de alimentos de baixa qualidade com um apoio realista a opções mais nutritivas poderemos realmente contribuir para uma melhor nutrição para todos”.
Contra a saúde pública
Finalmente, a série mostra que As empresas usam táticas sofisticadas para contornar as regulamentações: Coordenam grupos de pressão, financiam campanhas políticas, moldam debates científicos e recorrem a litígios para atrasar políticas de saúde pública. Confrontados com tal poder corporativo, os autores propõem uma resposta global coordenada que protegeria as políticas da interferência da indústria, cortaria os laços entre empresas e organizações de saúde e fortaleceria a rede de segurança internacional contra alimentos ultraprocessados.
O artigo argumenta que a transformação dos sistemas alimentares requer apoiar os produtores locais, preservar as tradições alimentares, promover a equidade e garantir que os benefícios económicos sejam devolvidos às comunidades. Enfatiza que um caminho alternativo é possível se os governos regulamentarem estritamente, mobilizarem as comunidades e garantirem o acesso universal a alimentos saudáveis e acessíveis.
“Precisamos de uma forte resposta global de saúde pública semelhante ao esforço coordenado para combater a indústria do tabaco. Isto inclui proteger o espaço político da pressão política e construir coligações fortes para promover sistemas alimentares saudáveis, justos e sustentáveis e desafiar o poder empresarial”, afirma Philip Baker, da Universidade de Sydney, Austrália.
Os autores defendem uma resposta global coordenada de saúde pública para proteger os decisores políticos da interferência da indústria, romper os laços da indústria com os profissionais e organizações de saúde e criar uma rede global de defesa de ações contra os alimentos ultraprocessados.
Por exemplo, diz Karen Hoffman, da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, “tal como enfrentámos a indústria do tabaco há décadas, precisamos agora de uma resposta global ousada e coordenada para reduzir o poder desproporcional das empresas alimentares ultraprocessadas e construir sistemas alimentares que priorizem a saúde e o bem-estar das pessoas”.