novembro 21, 2025
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O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu esta quinta-feira aos países que mostrem “flexibilidade” nas negociações que decorrem na cimeira climática de Belém, COP30, que voltou a bater no muro dos combustíveis fósseis. No centro do debate nesta reunião está uma proposta para ajudar a criar um roteiro para deixar para trás o petróleo, o gás e o carvão, os principais culpados das alterações climáticas. Mas embora existam países que apoiam a questão, a começar pelo Brasil, anfitrião da conferência, não há consenso sobre o assunto.

Guterres saudou o desejo de esclarecer a transição de combustível. Mas também alertou que Belém deve comprometer todos os países a triplicar os fundos atribuídos para se adaptarem aos efeitos crescentes do aquecimento. Na sua opinião, o acordo final desta COP30 terá de representar um equilíbrio entre as exigências para deixar para trás os combustíveis fósseis e as exigências, principalmente dos países em desenvolvimento, para que os países mais ricos forneçam o melhor financiamento para os ajudar a enfrentar esta crise climática.

A COP30 termina na sexta-feira, embora ano após ano o encerramento destes eventos fique estagnado e nunca termine a tempo. O sistema, segundo o qual cada texto, cada palavra em cada decisão deve ser acordado, baseia-se no consenso, o que significa que qualquer um dos quase 200 países participantes pode levantar a mão e parar tudo. Este sistema, ao longo de mais de três décadas de negociações sobre alterações climáticas na ONU, levou a acordos que sempre pareciam diluídos e diluídos.

Entre outras coisas, isto resultou em textos e acordos emanados da COP que estabelecem metas e planos para as emissões de gases com efeito de estufa, mas não estabelecem reduções na utilização da principal fonte que as causa: os combustíveis fósseis. Os estados petrolíferos, dos quais a Arábia Saudita é o mais visível, sempre resistiram a mencionar o petróleo, o gás e o carvão. Só precisamos falar dos gases, eles protegem. Ou seja, das balas, e não da arma com a qual disparam.

Mas o governo brasileiro, liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, concentrou esta cimeira – da qual não se esperava nem uma grande manchete nem um grande acordo – nesta maldita questão. Desde o início da conferência, Lula insistiu na necessidade de Belém promover um roteiro para os países se libertarem da dependência dos combustíveis fósseis. O roteiro está a ser defendido por um grande grupo de países, cerca de 80, embora a lista oficial de signatários ainda não tenha sido publicada. Enfrentam alguns dos estados cujas economias são fortemente dependentes dos combustíveis fósseis. E não há muito cinza nessas posições: alguns querem incluir um mandato para criar esse roteiro de combustíveis, e outros não, então resolver essa questão será o maior desafio para a presidência desta cúpula, que está nas mãos do Brasil.

Lula voltou à cúpula na quarta-feira para tentar desbloquear as negociações, mas não foi alcançada uma resolução favorável como se esperava na mesma quarta-feira para chegar a acordo sobre esta declaração política, que está chamando a atenção, por isso as negociações continuarão nesta quinta-feira. Em entrevista coletiva ontem à noite, Lula reiterou que esse roteiro deve ser levado adiante.

É irónico que seja o Brasil quem esteja a tentar levar esta questão à cimeira com a maior força, porque é um país produtor de petróleo que sanciona novos desenvolvimentos. Mas alguns governos que também são produtores, como a Colômbia, argumentam que é por isso que este roteiro é necessário para garantir que a transição seja justa para todos, incluindo aqueles que extraem estes combustíveis e cujas economias dependem destas receitas. “Temos que começar a pensar em como viver sem eles”, disse Lula na cúpula de quarta-feira.

Estas conferências são realizadas sob os auspícios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que foi assinada em 1992. Em mais de 30 anos de cimeiras, apenas uma cimeira incluiu uma menção aos combustíveis fósseis, no Dubai, em 2023. Nesta reunião, foi fortemente recomendado que o combustível fosse deixado para trás. Agora queremos continuar esta história e queremos estabelecer um mandato para que em futuras cimeiras este roteiro possa ser aprovado, embora sem entrar em detalhes por enquanto.

Os países produtores de petróleo liderados pela OPEP criticaram a alusão ao petróleo, gás e carvão durante negociações em Dubai há dois anos. Mas finalmente foi incluído num texto que obteve consenso geral. Fundamental para esta resolução foi o dinamismo da União Europeia, que em 2023 ainda estava focada na sua agenda verde, e dos Estados Unidos, que ainda era governado pelos Democratas.

Agora a situação é completamente diferente. Por um lado, os EUA, juntamente com Donald Trump, retiraram-se do Acordo de Paris, não enviaram uma única delegação a Belém e, à distância, continuam a remar na direção oposta ao que está a ser discutido na COP30: nesta mesma semana, a Casa Branca forçou a reabertura de uma antiga central elétrica no Michigan que utiliza carvão, que já não tem meios financeiros para continuar a operar e que deveria encerrar em maio.

Além disso, a União Europeia também não é a mesma de 2023 devido ao desenvolvimento do populismo negativo, e a sua posição nesta cimeira não é forte. Por exemplo, entre os 80 países que pretendem um roteiro, a maioria são membros da UE, mas não a Polónia e a Itália. De qualquer forma, depois de muitos dilemas e negociações internas, a Comissão apresentou na noite de quarta-feira sua proposta de roteiro com calendário a ser aplicado nas próximas reuniões, que espera ajudar o Brasil a desbloquear as negociações.

Próxima cimeira

Enquanto isso, uma das dúvidas que precisavam ser esclarecidas em Belém é onde será realizada a próxima cúpula. Normalmente esta questão em aberto não chega à última hora, como aconteceu neste caso, mas a Turquia e a Austrália, que competiram para acolher a COP31, ainda mantêm as suas posições. Finalmente, foi encontrada uma solução consensual: a cimeira será realizada na Turquia, mas sob a presidência da Austrália. O país que detém a presidência dirige as negociações.

Se esta questão não fosse resolvida, a cimeira teria de ser realizada na cidade alemã de Bona, onde está localizada a sede do gabinete das Nações Unidas para as alterações climáticas. Mas a Alemanha não está na melhor forma na luta contra as alterações climáticas. E o chanceler alemão Friedrich Merz não é atualmente o personagem mais querido de Belém. Depois de participar na cimeira, já no evento em Berlim, Merz disse que nenhum dos membros da delegação alemã presente na COP30 queria lá ficar e que estavam contentes por “regressar à Alemanha”. Essas palavras irritaram o governo e a mídia brasileira. Na quarta-feira, o governo alemão anunciou que o seu país contribuiria com mil milhões de euros para um fundo para as florestas tropicais criado pelo governo brasileiro durante a cimeira, uma medida saudada pelo executivo de Lula.