novembro 23, 2025
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Foram necessários sete anos para que Portugal dificultasse a chegada e a partida dos navios de droga, que até há poucos dias gozavam de leis brandas. A nova lei, que reforça os controlos sobre a produção, propriedade e tripulação de embarcações de alta velocidade e impõe penas de prisão para quem as viola, foi promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, em 28 de outubro, um dia depois de Pedro Manata e Silva, cabo da Guarda Nacional Republicana, ter morrido no rio Guadiana enquanto perseguia traficantes de droga. Uma coincidência catastrófica. “Esta é uma lei antitráfico fundamental e deveria ter sido aprovada há muito tempo”, lamenta Cesar Nogueira, presidente da Associação dos Guardas Profissionais de Segurança (APN) e amigo do falecido cabo. “Era inevitável que os traficantes de drogas voltassem às nossas costas depois que a Espanha proibiu os barcos de alta velocidade”, acrescenta.

O barco-patrulha policial em que o cabo viajava foi atropelado por um barco de traficantes, que foi abandonado logo em seguida. Outros três policiais ficaram gravemente feridos. O acontecimento lembra outros confrontos mortais durante operações no sul de Espanha e confirma, segundo César Nogueira, que se trata de uma reacção violenta já transformada em estratégia dos traficantes de droga. “Os barcos deles são muito mais eficientes que os nossos, por isso devemos investir na melhoria dos nossos recursos. Os criminosos estão sempre à frente da polícia”, afirma.

O ministro da Administração Interna, Fernando Grande-Marlaska, garantiu que a lei portuguesa é “um grande passo contra o crime organizado”, depois de se reunir há uma semana em Lisboa com a sua homóloga Maria Lúcia Amaral, a quem agradeceu a cooperação. Em 2018, Espanha alterou a legislação que processa o transporte de drogas e imigrantes em barcos rápidos semirrígidos e proibiu a sua utilização para fins pessoais. Os traficantes de droga, vivendo à margem da lei mas sabendo disso, transferiram a logística de transporte para Portugal. Com 943 quilómetros de costa continental e rios navegáveis, tornou-se um refúgio para a produção e armazenamento de barcos de droga utilizados pela máfia no norte e no sul de Espanha para transportar cocaína e haxixe.

“Os estaleiros de droga deslocaram-se para pontos fronteiriços ou próximos da fronteira no norte de Espanha. Os membros das redes trabalham lá com as peças e depois levam-nas”, explicam fontes do Centro de Inteligência para o Combate ao Terrorismo e ao Crime Organizado (CITCO), dependente do Ministério do Interior. “As organizações criminosas normalmente têm postos nas zonas central e norte para reparações e na zona sul para abrigo”, acrescentam.

Se houvesse dúvidas, elas foram dissipadas neste verão. No dia 11 de julho, a Guardia Civil e a Guarda Nacional Republicana (GNR) anunciaram o desmantelamento da “maior estrutura de tráfico de droga” da Península Ibérica. Além da prisão de 64 pessoas e da apreensão de quase oito toneladas de drogas, foram apreendidas 18 lanchas e 40 potentes motores Yamaha, muitos dos quais ainda embalados no trailer. Um porta-voz da GNR associou diretamente esta atividade à permissividade legal: “As alterações na legislação espanhola, que criminalizaram esta atividade logística, obrigaram estes grupos a deslocarem-se para Portugal, a partir de 2019, para terem mais oportunidades”.

A rede hispano-portuguesa, dissolvida em julho, estabeleceu estaleiros ilegais na foz do rio Tejo. Segundo a Guarda Civil, eles alcançaram tal “profissionalização” que puderam realizar três lançamentos simultâneos em uma noite. Alguns novos barcos de drogas tinham potência hormonal com quatro motores de 300 cavalos, desnecessários para viagens recreativas.

As embarcações secretas que preparavam os barcos também surgiram no norte de Portugal, que sempre esteve ligado às redes de tráfico de seres humanos nas Rias Baixas. Em outubro de 2024, durante outra operação conjunta entre Espanha e Portugal, foram detidas 24 pessoas de uma organização de transporte marítimo.

Antes da grande operação de verão, Arthur Vaz, diretor da Unidade Nacional de Tráfico de Drogas da Polícia Judiciária, explicou numa entrevista em Lisboa que o aumento da atividade dos barcos de droga tinha sido perceptível desde a proibição espanhola. “Vimos que estão habituados a ir cada vez mais fundo no Atlântico e podem passar semanas no mar apoiados por outros que fornecem apoio logístico com combustível e alimentos”, disse Vaz.

Outro fenómeno observado pela polícia judiciária portuguesa é o surgimento de organizações especializadas apenas no transporte de drogas. “Na Caparica havia uma rede sediada em Espanha que oferecia este serviço a terceiros e podia ter até dez barcos na água”, explicou Arthur Vaz. As estatísticas da PJ mostram uma evolução indicativa. Embora cinco a seis barcos tenham sido confiscados anualmente antes de 2018, esse número duplicou ou triplicou desde então, com excepção dos anos de pandemia. De 2023 a 2024, 32 barcos foram confiscados.

Embora o governo espanhol tenha repetidamente apelado à proibição dos navios de droga, Lisboa parecia relutante até recentemente. Mesmo durante o tempo de harmonia socialista entre o primeiro-ministro António Costa e o presidente Pedro Sánchez, nenhum progresso foi feito, embora o presidente da Associação dos Guardas Profissionais de Segurança, César Nogueira, dê uma explicação diferente: “Uma das razões do atraso foi que tivemos muitas mudanças no governo”.

Desde 2018, Portugal tem vivido diversas crises políticas, que conduziram a uma grande instabilidade e à queda de três governos. A lei, que esteve várias vezes em fase de elaboração, foi finalmente aprovada este verão pelo Conselho de Ministros, presidido pelo primeiro-ministro Luis Montenegro (centro-direita), que fez da segurança dos cidadãos uma das bandeiras do seu mandato. A norma foi ratificada pela Assembleia da República graças aos votos de quatro partidos de direita, com 70% dos assentos, e à abstenção de todos os partidos de esquerda. Não proíbe a utilização privada de lanchas, como fez a Espanha em 2018, mas agora exige o registo da produção, propriedade e circulação. A violação da lei que proíbe a entrada e saída do país em tais veículos sem autorização da Receita Federal pode resultar em pena de prisão de um a quatro anos.

O ministro do Interior espanhol disse estar “otimista” quanto às perspectivas oferecidas pelas regras portuguesas. “Este regulamento não é idêntico ao espanhol, mas estabelece um controlo muito eficaz e muito direto”, sublinhou há uma semana no Estoril, onde participou numa conferência ministerial entre os Estados Unidos e o Médio Oriente e Norte de África.

Novas viagens

Os obstáculos legais em Portugal aos tribunais de drogas podem levar à expulsão de organizações criminosas, segundo fontes policiais especialistas na investigação do crime organizado. Podem deslocar-se para França, para a costa de Gerona, ou para sul, em direcção a Marrocos. “A lei portuguesa é uma forma muito lucrativa de derrubar as organizações”, afirma uma dessas fontes. Todos concordam com a importância da cooperação internacional e da ação conjunta. A procuradora antinarcóticos Rosa Ana Moran, numa entrevista recente ao jornal EL PAIS, enfatizou a necessidade de proibir estes navios em toda a Europa.

“Entramos em contacto com todos os nossos parceiros europeus com o objetivo específico de começar a regulamentar os tribunais de drogas”, disse a Ministra Marlaska. “Portugal já avançou, já tem uma lei nesse sentido. Agora tem que desenvolvê-la”, concluiu.

Em cinco anos, mais de 1.700 navios foram presos

As consequências da proibição dos navios de droga em Espanha são registadas nas estatísticas policiais. Embora os números do Plano Especial de Segurança do Campo de Gibraltar, que está na sua quinta edição, não indiquem o número de navios de droga apreendidos pelas forças e autoridades de segurança, o número total de navios apreendidos aumentou significativamente. Em cinco anos chegou a 1.699. De 2019 a 2024, o número médio anual de navios sequestrados é de 238, contra 22 em 2018. Na Galiza, onde os números são discriminados, o pico foi atingido em 2022, quando foram sequestrados 84 navios de alta velocidade, contra nove em 2024.