novembro 23, 2025
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O mercado financeiro europeu entra nesta década com um paradoxo desagradável. Há muitas poupanças, mas não há investimento suficiente para impulsionar a inovação e o crescimento que a concorrência global exige. Entre regras que mudam de país para país, líderes que não conversam entre si e os mercados movem-se em direções diferentes, o capital permanece estagnado e a região perde impulso quando mais precisa dele. A questão volta à mesa: poderá a Europa transformar a sua estabilidade financeira num verdadeiro motor da sua economia real?

A Europa está num ponto de viragem A equipe de mercado de capitais do Bank of America disse isso em comunicado à ABC. O empreendimento destaca a resiliência dos lucros empresariais e um novo impulso para a política industrial, embora a região “continue a apresentar um profundo fosso entre poupanças e capital produtivo: grande parte do dinheiro permanece em depósitos e activos semelhantes, e muito pouco do dinheiro vai para investimento real”. Este desequilíbrio, alertam, “impede que a estabilidade financeira se traduza em competitividade e investimento sustentável”.

A integração dos mercados de capitais europeus enfrenta principalmente barreiras políticas. Esse é o alerta de Laura Baselga, professora de finanças da Deusto Business School, ao analisar por que o projeto avança tão lentamente. Muitos governos, comenta ele, “continuam relutantes em ceder o poder por medo de perder o controlo sobre os seus círculos eleitorais nacionais e a protecção dos investidores locais”. Baselga lembra que o relatório Draghi já alertava para a fragmentação, que está a levar as empresas de crescimento mais rápido a procurar financiamento fora da União. O risco, adverte, é que a Europa “fique para trás, a menos que concorde com uma verdadeira transferência de soberania”.

Embora este debate político continue estagnado, as propostas técnicas estão a ganhar impulso entre aqueles que exigem uma integração mais rápida.

Soluções específicas

A conversa sobre como atrair mais investimento transfronteiriço não é nova, mas Mariano Lasarte, da KPMG em Espanha, acredita que agora são necessárias soluções mais concretas. O parceiro da empresa no sector financeiro sugere que a Europa deve avançar em várias frentes. Entre eles estão incentivos fiscais que Bruxelas está a explorar para impulsionar o investimento em activos e empresas europeias. Também enfatiza a necessidade de um sistema comum de titularização. Acrescenta-se a esta agenda o “Regime 28”, que visa oferecer às empresas com presença em vários países um quadro jurídico uniforme e facultativo. Segundo ele, graças a este conjunto de medidas, “os empresários e investidores terão um acesso mais direto ao financiamento”.

As conquistas regulatórias nos últimos anos estão longe de ser suficientes.

Ao contrário da Europa, onde o crédito bancário continua a apoiar a maior parte do financiamento empresarial, os Estados Unidos operam mercados profundos e unificados que favorecem o capital não bancário. “Esta comparação ajuda a avaliar o potencial de uma união de mercado totalmente operacional na União Europeia”, explica Ricardo Zion, professor de finanças na EAE Business School. “Uma maior integração permitiria às jovens empresas aceder ao capital sem dependerem demasiado do balanço bancário”, afirma. Com plataformas harmonizadas, acrescenta Zion, “estas empresas poderão estrear-se mais cedo no mercado e crescer num ambiente mais competitivo”. Tal desenvolvimento só será possível se aqueles que gerem grandes quantidades de poupança encontrarem uma estrutura mais integrada.

As mudanças mencionadas por Sião exigem uma expansão da oferta de capital, e O papel dos grandes investidores institucionais é fundamental. A sua capacidade de mobilizar poupanças para projectos de expansão poderá revigorar um mercado menos dependente do crédito. Daniel Fuster, chefe do setor bancário da NTT DATA, detalha os obstáculos que atualmente atrasam este processo: a coexistência de bolsas de valores com regras diferentes, sistemas de governação pouco compatíveis e um quadro fiscal que continua a favorecer a dívida em detrimento do capital próprio. “Um ambiente mais harmonizado permitirá que o financiamento alternativo se expanda e fortaleça o dinamismo empresarial”, afirma Fuster.

O problema é mais sério para startups que buscam grandes investimentos para escalar projetos de risco.

Os avanços regulamentares dos últimos anos pretendem facilitar o acesso de mais empresas aos mercados de capitais, embora este processo esteja longe de estar completo. A opinião foi expressa por Gonzalo Navarro, diretor de regulação financeira da Ontier, durante uma análise dos últimos acontecimentos em Bruxelas. Considere a aprovação da Lei de Listagem, que simplifica os requisitos de oferta pública, e a criação do BME Easy Access. No entanto, “continuam a existir obstáculos estruturais, desde organismos reguladores fragmentados até infraestruturas diversas”. Neste contexto, a ESMA poderia assumir um papel mais direto, afirma Navarro.

Esta fragmentação operacional de que falam os reguladores é ampliada quando se olha o projecto como um todo. A união dos mercados de capitais registou progressos ao longo da última década, mas o seu desenvolvimento ainda está longe do seu objetivo original. Neste sentido, Javier Hombria, Professor do Mestrado em Mercados Acionistas e Financeiros do IEB, lembra que “a maior parte das reformas previstas desde 2015 foram aprovadas”. “No entanto, a falta de harmonização fiscal, a falência e a fiscalização impedem a criação de um mercado comparável ao dos Estados Unidos”, observa. Esta lacuna limita a capacidade da Europa de mobilizar as suas poupanças, conclui Hombria.

Grande parte do bloqueio europeu deve-se à falta de escala, afirma José Maria Abad, professor de economia da Comillas ICADE, que recorda “como o grande número de PME impede a criação da massa crítica necessária para criar mercados líquidos e repetíveis”. Soma-se a isso a diversidade de regulação, enquanto “a securitização oferece apenas uma solução parcial”, ressalta. O resultado é “um setor excessivamente bancarizado e menos diversificação de fontes de financiamento”. Esta limitação de tamanho, argumenta Abad, acaba por tornar as empresas menos competitivas.

porta aberta

Por sua vez, Francisco Joaquín Cortés, professor do Mestrado em Finanças da UAX, acredita que do ponto de vista macroeconómico, “a integração do mercado europeu abrirá a porta a um financiamento mais barato e diversificado para toda a economia”. Isto permitirá às empresas mais inovadoras aceder mais facilmente ao capital de risco e a instrumentos alternativos, explica Cortes. Este impulso, acrescenta, ajudará a fortalecer ecossistema tecnológico capaz de aproveitar ao máximo o desenvolvimento da inteligência artificial.

A necessidade de maior escala é claramente visível no ecossistema empreendedor. Nacho Mateo, CEO da South Summit, alerta que “a fragmentação regulatória e as barreiras transfronteiriças continuam a dificultar o acesso das empresas europeias às grandes e rápidas rondas que são críticas para projetos tecnológicos de alto risco”. Esta falta de escala explica porque “muitas startups, incluindo as espanholas, continuam a olhar para os Estados Unidos para consolidar o seu crescimento”, diz Mateo. De acordo com o Mapa de Empreendedorismo 2025, produzido em colaboração com a IE University, o mercado dos EUA já se tornou um destino prioritário para as empresas europeias que procuram expandir-se internacionalmente.

Os custos de não avançarmos para uma verdadeira união dos mercados de capitais começam a tornar-se claros. Baselga, da Deusto Business School, alerta que “a fragmentação está a forçar inúmeras empresas a procurar financiamento fora da UE, mantendo a Europa atrás em número de empresas cotadas, liquidez e capacidade de absorção de choques”. Alerta também que sem maior escala será difícil canalizar poupanças para a transição verde e digital que são pilares da nova estratégia de investimento europeia. É por isso que insiste que “a integração já não é uma aspiração, mas uma necessidade urgente”.

Zion, da EAE Business School, enfatiza que a estagnação também deixa sua marca na inovação. A fragmentação torna o financiamento da tecnologia mais caro e facilita que muitas empresas europeias caiam nas mãos de multinacionais americanas, levando a um êxodo de talentos e de propriedade intelectual. Acrescenta que “a falta de fundos pan-europeus capazes de apoiar grandes rondas aumenta o fosso com os Estados Unidos, cujo mercado integrado é rápido a financiar projectos de alto risco”. Ele argumenta que com um ecossistema mais profundo e homogéneo, a Europa “será capaz de reter as suas empresas mais disruptivas e competir numa escala verdadeiramente global”.