Já existe um projeto bem-sucedido para reimaginar o Vale de Cuelgamuros. O Mausoléu de Franco, inaugurado por Franco em 1959 para comemorar a sua vitória na Guerra Civil, está em fase de transformação. O júri de um concurso de ideias convocado pelo Ministério da Habitação para escolher a forma de implementá-lo já selecionou uma proposta final entre dez finalistas: chamar-se-á “Base e Cruz” – um projeto que “oferece uma nova visão do conjunto monumental”.
Isto foi sublinhado por Iñaki Carnicero, secretário-geral do Departamento de Programas Urbanos, Habitação e Arquitectura do Ministério da Habitação e presidente do júri, que anunciou a ideia vencedora após “intensa discussão” devido à “elevada qualidade” dos projectos. O plano escolhido consistiria na demolição da escadaria que actualmente dá acesso à basílica para a construção de uma espécie de grande arcada de entrada pela frente e pelos lados, com um grande círculo aberto ao céu no centro. A partir daí você poderá acessar a basílica ou centro interpretativo, que será construído de raiz e explicará quem, como e por que Cuelgamuros foi construído e o que isso significou para a ditadura.
Carnicero descreveu este novo acesso como um “limiar”, entendido como um “lugar de encontro e diálogo” que “rompe com o eixo vertical” construído na ditadura “para torná-lo horizontal”. Segundo um representante do Ministério da Habitação, a ideia “redefine fronteiras e dá maior prioridade à natureza do que à arquitetura”. Apesar disso, os relatórios do projeto ainda não foram publicados, nem os que estão por trás dele, já que o concurso era anônimo, mas, conforme dito, estarão disponíveis em breve.
Intervenção “mínima” na basílica
O concurso começou em abril passado com um prazo para a apresentação de planos para transformar o Vale de Cuelgamuros num local de memória onde estão enterradas mais de 33 mil vítimas da Guerra Civil e da ditadura, e nenhum cartaz ou painel explica nada sobre isso. A seleção ocorre depois que um júri selecionou dez ideias finalistas entre 34 propostas em agosto passado.
Ao fazê-lo, o objetivo do governo é promover um “novo olhar” sobre o monumento e a sua envolvente, um espaço “ainda congelado no tempo” e marcado por uma iconografia que mostra o catolicismo nacional que apoiou a ditadura. Para tanto, o concurso propôs uma ressignificação em três vertentes: a transformação paisagística e artística, a construção de um centro de interpretação e o processo de musealização que poderia ser realizado no interior da basílica.
Nesse sentido, segundo Carnicero, o projeto escolhido envolve uma intervenção “mínima” no templo. O governo negociou os detalhes do processo diretamente com a Igreja Católica e concordou essencialmente que a basílica pudesse ser transformada, com exceção do altar-mor e dos bancos adjacentes. No entanto, o local continuará a ser dedicado ao culto católico e os monges beneditinos aí permanecerão, com exceção do Prior Santiago Canter, conhecido pela sua postura pró-Franco.
A partir deste momento, conforme indicado na documentação do concurso, será assinado um contrato de prestação de serviços com a proposta e terão início duas etapas: oito meses para desenvolver o projeto e outros 40 para a execução da obra propriamente dita. A licitação para a obra deverá começar no segundo semestre de 2026. No total, o caderno de encargos de abril estimava a duração do contrato em “cerca” de 56 meses (quatro anos e oito meses), incluindo a duração do concurso. Apesar disso, o mesmo documento reconhece que é difícil “especificar com precisão” a duração total.
“Complexidade da tarefa”
Os setores ultracatólicos e de extrema direita declararam luta contra o processo de demissão de Cuelgamuros, que há semanas propaga o espectro de que o governo quer demolir a cruz de 150 metros – o que não acontecerá. Os Ultras tentaram várias vezes boicotar o processo, argumentando que o mausoléu já era um local de “reconciliação”, apesar de Franco ter ordenado a sua construção em homenagem aos “heróis e mártires da Cruzada”. A última ofensiva foi uma cascata de apelos, que foram rejeitados por advogados cristãos e vários arquitectos que se opuseram ao concurso.
Algumas das associações memoriais também têm criticado este processo, sobretudo por causa do pacto com a igreja que permite a permanência dos frades – embora não a priori Santiago Cantera, conhecido pelas suas ultraposições. Há também vozes entre familiares de vítimas da ditadura que se opõem à renúncia, por considerarem “impossível” que a tarefa seja executada com sucesso devido ao que o monumento significou para o regime.
O júri do concurso está ciente da dificuldade. Mas como resumiu o arquitecto britânico David Chipperfield, também membro do júri, numa apresentação à imprensa do projecto vencedor: “Temos primeiro de compreender a complexidade da tarefa que temos diante de nós, que vai muito além da arquitectura”, segundo o especialista, que afirmou que todos os membros do júri estão conscientes de que “não há uma resposta completa” à questão de como um tal monumento pode ganhar um novo significado.
Além de Carnicero e Chipperfield, fizeram parte do júri o secretário de Estado da Memória Democrática, Fernando Martínez López, e o ministro da Cultura, Jordi Martí Grau, além de vários artistas e arquitetos reconhecidos, um assessor técnico e outra pessoa por sugestão da Conferência Episcopal. O custo total do processo atingirá os 31 milhões de euros: 26,2 euros em cobertura da obra, 4,1 euros em honorários para o projeto vencedor e 605 mil euros em prémios para os dez finalistas.
Enquanto a renúncia continua, o trabalho continua para exumar as vítimas enterradas nas criptas. A maioria dos procurados a pedido dos seus familiares são republicanos que foram transferidos para Cuelgamuros sem o conhecimento ou consentimento dos seus entes queridos. Até o momento, 20 corpos foram identificados.