novembro 26, 2025
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O chocolate é um produto que, desde a sua chegada da América há cinco séculos, entrou na cultura de muitos países, incluindo a Espanha. De pães e salgadinhos de chocolate a chocolates e churros, é difícil imaginar um mundo sem eles. No entanto, nos últimos anos ocorreram mudanças tanto no consumo de chocolate quanto na nossa percepção dele.

Segundo a Associação Espanhola de Doces, o consumo de chocolate em Espanha aumentou, atingindo um valor de mercado de 2.106 milhões de euros em 2024, com um consumo per capita de 5 quilos de chocolate por ano. Ao mesmo tempo, a nossa compreensão do chocolate evoluiu. Por um lado, as recomendações da OMS para reduzir o consumo de açúcares livres presentes em muitos produtos de chocolate fizeram deste doce um doce que deve ser consumido com moderação. Ao mesmo tempo, aumentou a procura e as vendas de chocolate amargo, valorizado pelos consumidores pelo seu baixo teor de açúcar e antioxidantes benéficos.

Mas o mercado do chocolate está em crise. Segundo o Banco Mundial, entre 2023 e 2025, o preço do cacau no país de origem aumentou a um ritmo sem precedentes, principalmente devido a uma queda acentuada na produção na Costa do Marfim e no Gana devido às alterações climáticas, bem como ao surgimento de pragas e doenças nas plantações. Esta situação é agravada pela exaustão estoque e devido ao aumento da procura em novos mercados como a Ásia, ao mesmo tempo a inflação global aumentou os custos de produção. Uma tempestade perfeita que empurrou os preços do cacau para mais de 12.000 dólares por tonelada em 2024, tornando o chocolate mais caro para os consumidores.

O preço do cacau no país de origem aumentou a um ritmo sem precedentes, principalmente devido a uma queda acentuada na produção na Costa do Marfim e no Gana devido às alterações climáticas.

Embora possamos não perceber, isso afeta diretamente o quão bom o chocolate é para nós. O cacau é hoje considerado um alimento funcional, o que significa que os seus benefícios para a saúde são apoiados por pesquisas. É por isso que se acredita que o chocolate amargo, rico em cacau, traz benefícios à saúde devido às suas propriedades antidiabéticas, antiinflamatórias e antimicrobianas.

O consumo regular de cacau tem efeito cardioprotetor porque estimula a produção de óxido nítrico, que causa vasodilatação e reduz a pressão arterial. Também melhora os níveis de colesterol, diminuindo o LDL e aumentando o HDL. A nível cognitivo e neuronal, os flavonóides do cacau aumentam a circulação sanguínea em áreas do cérebro associadas à memória e à aprendizagem, protegendo os neurónios dos danos oxidativos, o que leva a uma redução do risco de doenças como a doença de Alzheimer. O cacau também pode melhorar a sensibilidade à insulina e prevenir o diabetes tipo 2, além de ter um efeito positivo no humor, não apenas porque é agradável, mas também porque a teobromina que ele contém afeta os neurotransmissores.

Mas nenhum desses benefícios significa que você precisa comer uma barra de chocolate por dia, já que os benefícios vêm do cacau e não dos demais ingredientes que costumam acompanhar o chocolate, que podem ser prejudiciais, principalmente o açúcar. O chocolate amargo como produto contém mais cacau e menos açúcar. Quando o cacau fica mais caro, os produtores e distribuidores têm um incentivo para vender mais açúcar e menos cacau.

“Embora possa continuar a chamar-se chocolate porque não está abaixo do mínimo estabelecido pela regulamentação europeia, o problema é que o consumidor continua a acreditar que está a comprar o mesmo produto de antes”, explica Ruben Sánchez, secretário-geral da FACUA-Consumidores em Acção.

Menos cacau, mais açúcar

Por exemplo, podemos perguntar-nos se a recente febre do chocolate no Dubai tem alguma coisa a ver com esta tendência global. Uma barra de chocolate amargo 80% contém quatro quintos de licor de cacau e manteiga de cacau, ingredientes que se tornaram os mais caros, e apenas 20% de açúcar. Em comparação, o chocolate Dubai usa chocolate ao leite, que contém apenas 35% de cacau e mais da metade de açúcar. O recheio, que representa cerca de metade do peso, é composto por pistache, tahine, óleos vegetais, leite em pó e açúcar. Ou seja, passamos de 20% a 60% de açúcar, e o teor de cacau puro e manteiga de cacau é de 80% a menos de 20% no total, dependendo da marca.

Uma barra de chocolate amargo 80% contém quatro quintos de licor de cacau e manteiga de cacau, ingredientes que se tornaram os mais caros, e apenas 20% de açúcar.

Em outros produtos comercializados, como o chocolate, a indústria utiliza outros mecanismos para reduzir o teor de cacau e substituí-lo por outros ingredientes mais baratos. O resultado final é que um produto contendo cada vez menos cacau é vendido como chocolate. O relatório NielsenIQ confirma que o consumo de cacau está a diminuir, enquanto o consumo de outros produtos de chocolate contendo mais açúcar está a aumentar.

As recomendações da OMS para a ingestão de açúcar são inferiores a 5% das calorias, ou cerca de 25 gramas por dia. “Um pedaço de chocolate amargo 85% contém um mínimo de açúcar”, explica a nutricionista Vanesa Cortes. “Podemos treinar gradativamente o paladar, começando em 70% e terminando em 80%, afinal isso é educação”, recomenda.


O chocolate que você compra pode ter mais açúcar e menos cacau do que antes.

Gordura de chocolate e seus substitutos

Na massa de cacau amargo, a gordura vem da manteiga de cacau, que possui níveis semelhantes de ácidos graxos palmítico, esteárico e oleico (iguais ao azeite). Uma prática comum é substituir a manteiga de cacau por outras gorduras, especialmente óleo de palma parcialmente hidrogenado. Essa substituição não se deve apenas ao preço. À medida que o consumo de chocolate aumenta na Ásia e na África, os fabricantes precisam que ele seja mais estável e não derreta tanto quando aquecido, que é o que os óleos de palma e de palmiste conseguem.

O problema é que o óleo de palma é rico em ácidos graxos saturados e, principalmente, possui maior teor de ácido palmítico e menor teor de ácido esteárico. O ácido palmítico está associado ao agravamento dos níveis de colesterol e ao aumento do risco de aterosclerose e doenças cardiovasculares.

Os fabricantes usam uma prática chamada “redflation”, o que significa que oferecem menos produto pelo mesmo preço. Se antes uma barra de chocolate pesava 100 gramas, agora pesa apenas 80 ou 90 gramas, mas custam o mesmo ou mais. Isso também inclui a substituição de ingredientes. “Imagine que o KitKat agora tem menos cacau do que antes. Ainda se chama KitKat, o nome não muda, mesmo que a composição seja diferente”, dá exemplo Ruben Sanchez. “É legal, mas achamos que é mais uma fórmula de duplicação, de qualidade inferior”, acrescenta.

Outro problema continua sendo o teor de gordura trans. O teor permitido de gorduras trans nos alimentos na União Europeia deve ser inferior a 2 gramas por 100 gramas de gordura. Embora o óleo de palma em seu estado natural não contenha gorduras trans, quando passa por um processo de hidrogenação parcial para torná-lo mais duro (como banha ou manteiga), pode gerar gorduras trans que variam de 10% a 40% do total, segundo o relatório da FIAB.

Imagine se o KitKat agora contivesse menos cacau do que antes. Ainda se chama KitKat, o nome não muda, mesmo que a composição seja diferente. Isso é legal, mas acreditamos que é mais uma fórmula de redução, de redução de qualidade.

Ruben Sanches
FACUA-Consumidores em ação

“Não existe uma quantidade segura de gordura trans”, diz Cortez. “São substâncias estranhas ao seu corpo. Não são gorduras que estão presentes em qualquer parte do nosso corpo e o sistema imunitário diz: 'Ei, o que é isto?'” Isto é confirmado pela OMS, que recomenda que as gorduras trans representem menos de 1% do total de calorias.

Os produtos de chocolate mais consumidos e seus riscos

Relatório da National Candy Association indica que as barras de chocolate representam 32,5% do total, sendo o chocolate ao leite o mais consumido, seguido do cacau instantâneo com 20,7% e do copo, 18,5% em lanches16,4% em chocolate e 11,9% em pastas para barrar. Todos estes produtos contêm cerca de 50% de açúcar, em comparação com o chamado chocolate “puro” ou “escuro”, que contém entre 15 e 30%. Você pode até comprar produtos que contenham 90 ou 99% de cacau, o que significa que apenas 1 a 10% é açúcar.

Uma revisão dos rótulos nutricionais desses alimentos populares nos dá mais pistas:

  • Barra de Chocolate ao Leite Nestlé: Embora contenha apenas manteiga de cacau como gordura, existem 58 gramas de açúcar por barra de 100g.
  • Cacau Instantâneo ColaCao: Contém 22% de cacau puro e sem gordura, mas é principalmente açúcar, mais de 77 gramas por 100g.
  • Kit-Kat: O açúcar ainda é o primeiro ingrediente (45 gramas por 100 g), mas as principais gorduras também vêm da palma e de outras fontes além da manteiga de cacau.
  • Ovo de chocolate surpresa Kinder: A camada externa do chocolate ao leite contém manteiga de cacau e a camada interna do chocolate branco consiste em gorduras vegetais. Açúcar 52 gramas por 100.
  • Chocolates Ferrero Rocher: Esses chocolates de Natal são considerados um produto de luxo e contêm chocolate ao leite de qualidade feito com manteiga de cacau e 20% de avelãs, mas o açúcar representa 40% do peso.
  • Chocolates Nestlé em caixa vermelha: embora a cobertura seja de chocolate amargo ou ao leite, os recheios levam manteiga de cacau, gordura de palma e o teor de açúcar aumenta para 51%.
  • Nocilla Spread: A pasta popular substitui o óleo de palma (encontrado em seu concorrente Nutella) por óleo de girassol com alto teor de oleico, mas ainda é um doce com 56 gramas de açúcar por 100g.
  • Lacacito: São feitos com manteiga de cacau, mas entre o chocolate ao leite de dentro e a cobertura colorida ficam 70 gramas de açúcar por 100.
  • Filipinos: A cobertura de chocolate é feita de manteiga de cacau, mas o interior do donut é feito de gordura de palma. Contém um total de 38 gramas de açúcar por 100 g.
  • Chocolate em pó para xícaras. Valor: Com 66 gramas de açúcar por 100g e apenas 20g de cacau em pó desnatado, é muito parecido com o ColaCao, exceto pelo amido usado para engrossá-lo.

O chocolate tem valor emocional para muitas pessoas e está associado ao prazer e à celebração no subconsciente coletivo, mas não podemos esquecer que alguns produtos vendidos como chocolate contêm, na verdade, muito pouco cacau.

Dario Pescador – editor e diretor da revista Revista “Quo” e autor do livro sua melhor personalidade.