novembro 25, 2025
TLOUIPFRXBFPVB4L5HE5RS3YGA.jpg

Gabriel Zucman (Paris, 39) tornou-se o atual economista da França graças a uma ideia simples e explosiva: um imposto de 2% sobre a riqueza dos bilionários. A sua proposta, que visa corrigir a “anomalia” que permite aos super-ricos pagar uma taxa efectiva muito inferior à das classes baixa e média, colocou este discípulo de Thomas Piketty no centro do debate político no seu país. Zucman esteve em toda parte durante semanas: seu ensaio Bilionários não são pas-d'impot-sur-le-venu patenteados e os nossos são todos e barbatanas de medidor (Os bilionários não pagam imposto de renda e vamos impedir isso.), publicado há apenas um mês, tornou-se um fenômeno editorial, vendendo quase 50 mil exemplares. Nele, expõe a sua proposta: aplicar um imposto mínimo de 2% aos activos superiores a 100 milhões de euros (cerca de 1.800 fortunas em França), para que os mais ricos contribuam para o equilíbrio das finanças públicas.

A proposta, apoiada pelos partidos de esquerda e pela grande maioria da opinião pública, foi rejeitada duas vezes pelo parlamento francês, mas Zucman não considera a batalha perdida. Ele fala sobre isso numa entrevista no seu escritório na Escola de Economia de Paris, uma espécie de espaço monástico com uma fábrica, um computador, um capacete de bicicleta e um quadro de fórmulas fiscais que conseguiu reacender o debate sobre a justiça fiscal em toda a Europa.

Perguntar. Como você explica o sucesso de um livro que fala sobre tributação?

Responder. O meu trabalho mostra que os bilionários pagam muito menos impostos, proporcionalmente ao seu rendimento, do que qualquer outra pessoa. A maioria da população suporta uma carga fiscal total entre 25% e 50% do seu rendimento; bilionários pagam entre 0% e 2% de seus ativos. Isto viola o princípio da igualdade antes de impostos, que é constitucional em França. Durante anos houve uma grande opacidade: as estatísticas governamentais permaneceram silenciosas. Vários grupos de investigação têm trabalhado para dissipar este silêncio. Hoje as pessoas querem assumir a responsabilidade por esse conhecimento. É por isso que leram meu livro.

PARA. A tributação já não é vista como uma questão técnica, mas sim como uma questão de justiça social?

R. O fato é que sem impostos não há sociedade. Eles são um alicerce da democracia. Dependendo se colocamos o cursor em 0%, 50% ou 90%, obtemos sociedades muito diferentes. E em França também temos uma dívida de 116% do PIB e um défice de 5,4%, mesmo durante um período de crescimento. Temos de limpar as contas e distribuir melhor os nossos esforços.

PARA. Enquanto isso, a riqueza dos bilionários cresce rapidamente.

R. Em 1997 representavam 3% do PIB mundial; hoje é de 14%. As suas empresas, todas multinacionais, beneficiaram da globalização e os seus proprietários quase não pagam impostos sobre o rendimento, pelo que podem reinvestir os seus lucros quase isentos de impostos. A bolha do mercado de ações é suficiente para que uma pessoa pese vários pontos do PIB de um país.

PARA. Por exemplo, a primeira fortuna francesa é Bernard Arnault, dono da LVMH.

R. A sua fortuna ronda os 150 mil milhões de euros, cerca de 5% do PIB francês. Amanhã poderá ser 10% ou 15%. Isto acontece em França, mas pode acontecer em qualquer outro país. Poderemos acabar com pessoas cujo peso económico se tornará gigantesco.

PARA. O seu imposto é apoiado por 86% dos franceses, incluindo nove em cada dez eleitores de direita. Porque é que o parlamento rejeita isto?

R. Pela influência dos bilionários na vida política e na discussão de ideias. Nos últimos meses, mobilizaram-se para impedir a aprovação da proposta e espalharam mentiras pelos meios de comunicação que controlam. Mas o seu poder não deve ser sobrestimado: as forças da democracia são mais fortes a longo prazo. Criar novos impostos é sempre uma batalha difícil.

PARA. Você odeia os ricos, como seus detratores o chamam?

R. Isso não faz nenhum sentido. Não se trata de pessoas, trata-se de democracia, de como diferentes grupos contribuem igualmente para o bem comum.

PARA. Arnault o chamou de “pseudopesquisador” e “militante de extrema esquerda”.

R. Esta é uma reação nervosa dos ricos que sabem que a situação é insustentável, e também uma prova de que não têm argumentos significativos. Quando não há razão, recorrem a insultos ao estilo de Trump: quando alguém discorda, é chamado de comunista, ao mesmo tempo que denigre o conhecimento e os estudantes. Este é o vento do trumpismo que sopra pelo mundo.

PARA. Em todo caso, você nunca escondeu o fato de ser esquerdista.

R. Tenho minhas crenças, assim como todo mundo. Mas este imposto mínimo não é uma revolução financeira nem um castigo para os ricos. Isto foi retirado de um relatório do G20 preparado a pedido do governo brasileiro. Propus fazer com os bilionários o mesmo que com as empresas transnacionais: estabelecer uma taxa mínima. Os 2% destinam-se a garantir que eles não paguem menos que os outros, mas nem mais. Esta não é uma ideia radical ou particularmente de esquerda, mas sim o mínimo, a versão mais minimalista de justiça fiscal. Identificamos uma anomalia e precisamos corrigi-la.

PARA. Quem permitiu isso?

R. Sempre existiu, mas foi exacerbado pela recente explosão destas condições. Em 1996, as 500 maiores fortunas equivaliam a 6% do PIB francês; Hoje eles controlam 42%. Portanto, um imposto de 2% dificilmente equivaleria a 0,1% do PIB. Hoje seriam 0,8 ponto, número mais significativo para um país que precisa economizar dois pontos e meio.

“Em Espanha ainda faltam dados: são necessários mais detalhes e transparência da administração. Acredito que eles existem”

PARA. A esquerda foi hipócrita em relação à tributação?

R. Sim, em França e em toda a Europa Ocidental. Houve um acordo implícito: “Vocês deixam-nos construir um estado de bem-estar social e, em troca, deixar-nos-emos em paz”. Os impostos sobre a riqueza quase nunca tributaram os bilionários. Em 1981, Mitterrand introduziu um imposto sobre grandes fortunas, mas isentou imediatamente as maiores do imposto. Foi um naufrágio político do qual devemos aprender.

PARA. A França é um país em declínio?

R. Não. O balanço de Emmanuel Macron é geralmente muito fraco, mas a França continua a ser um dos países mais produtivos do mundo e tem muitos sucessos associados ao Estado-providência. Por exemplo, a Europa está a ter um desempenho muito melhor nos cuidados de saúde do que os Estados Unidos. Temos muito do que nos orgulhar, embora não possamos descansar sobre os louros.

PARA. Você dirige o Observatório Fiscal Europeu. Qual é a situação em Espanha?

R. É-me difícil responder porque ainda não existem dados suficientes para Espanha. Na França, Holanda, Brasil, EUA, Suécia e Noruega realizamos estudos elaborados em conjunto com as administrações fiscais. Existem excelentes empregos em Espanha, mas é necessário um maior nível de detalhe e transparência. Eu acredito que sim. Na verdade, este é um processo muito recente. Nos EUA, não havia dados disponíveis até 2019. Na França, há alguns anos. Em qualquer caso, a curva fiscal de Espanha é semelhante à do resto da Europa, embora o nível de pressão seja ligeiramente inferior ao de França.

PARA. Ele insiste que os americanos super-ricos paguem mais do que os europeus.

R. Nos Estados Unidos, este debate ocorreu há quase um século. Em 1933, a imprensa noticiou que J. P. Morgan, um dos homens mais ricos do seu tempo, não pagou impostos nem em 1931 nem em 1932. O escândalo levou Roosevelt a aprovar legislação impondo punições. participações. Desde então, alguns multimilionários têm pago mais do que os europeus: cerca de 9% do seu rendimento. Apesar disso, Elon Musk ou Jeff Bezos encontraram uma forma de pagar muito pouco. Houve um ano em que Bezos disse que sua renda era tão baixa que recebeu ajuda da família.

PARA. “Quando o povo não tiver o que comer, comerá os ricos”, diz uma frase atribuída a Rousseau. Já estamos nesta fase?

R. Não vejo risco de violência, mas vejo risco de crise democrática.

PARA. Se o seu imposto for aprovado, haverá uma saída massiva de capital?

R. Este é um argumento clássico e muito exagerado. O exílio fiscal existe, mas não é generalizado e pode ser limitado. Por exemplo, tributar durante alguns anos aqueles que se tornaram multimilionários em França e depois partiram sem nunca alcançar o modelo americano, que obriga os seus cidadãos a pagar impostos onde quer que vivam durante toda a vida.

PARA. A cultura atual está repleta de ficções em que os ricos são simbolicamente devorados: Parasitas, Continuidade, Lótus Branco…Como você explica isso?

R. Eu vi todos eles. O crescimento explosivo da riqueza dos milionários é uma das tendências mais importantes das últimas décadas. Não é de surpreender que também apareça na ficção. A questão é como resolveremos este problema de forma racional, democrática e eficaz.

PARA. Ele vem de uma família rica e é filho de médicos. O seu pensamento vem mais do que você observou do que do que você experimentou?

R. A crise de 2008 foi decisiva. Eu tinha 21 anos e queria entender o que estava acontecendo. Mergulhei nas estatísticas internacionais e descobri a extensão da evasão fiscal. Morei então por quase uma década perto de São Francisco, onde coexistem riqueza extrema e falta de moradia. Eu estava lá quando Trump venceu. Tudo isso me levou a me envolver diretamente em políticas públicas.

PARA. Você enfrentou pressões ou ameaças?

R. Eu estava pronto: vivi algo semelhante de perto nos EUA, quando colaborei na campanha eleitoral de Bernie Sanders e Elizabeth Warren em 2020. Ambos foram vítimas de campanhas de ódio muito violentas. A história financeira mostra que qualquer reforma importante é uma batalha difícil. Na França, no início do século XX, o ministro Joseph Caillot, que promoveu um imposto sobre o rendimento, também foi atacado durante anos até conseguir aprová-lo.

PARA. Acho que não terminou bem para ele…

R. Sua esposa acabou matando o diretor Fígaroque liderou uma campanha contra ele. Então, se você começar a comparar, o meu não é nada. Além disso, garanto que sou uma pessoa muito zen, assim como minha esposa. Não dá para ir tão longe na nossa casa… (risos).

PARA. Em apenas alguns meses ele se tornou famoso. Segundo o estudo, ele é a nona personalidade mais citada na mídia francesa. Como está o ego?

R. Nunca procurei esta exposição. Tento usar isso para difundir conhecimento e incentivar o debate democrático. Se esta atenção ajudar as pessoas a se apropriarem destas ideias, valerá a pena.