Se a jornalista Carmen Sastre não o tivesse transformado em um tweet viral, poucos teriam se lembrado da transmissão ao vivo da sentença do procurador-geral que 24 Horas foi ao ar pouco depois das 16h30. 20 de novembro. Mas Sastre, ex-assessor da RTVE, por sugestão do PP, decidiu cortar 77 segundos do vídeo com a referida informação para atacar o jornalista da associação pública Xabier Fortes, o apresentador Noite em 24 horas. Causa? O jovem informante que segurava o microfone da TVE no noticiário apresentado no X é filho de Fortes, um dos rostos mais famosos da casa. Num tweet de 20 de novembro, Sastre disse ser “curioso” que Fortes já tivesse “colocado” o seu filho na TVE, marcando pontos para futura oposição quando já tinha criticado “as famílias na TVE”. Desde então, sem qualquer evidência que o sustente, tem circulado a ideia de que o filho de Fortes recebeu tratamento favorável da TVE. No momento em que este artigo foi escrito, o tweet tinha mais de 2,4 milhões de visualizações.
filho@xabierfortesJá está na TVE. Aqui está uma transmissão ao vivo em um canal 24 horas. Dizem-me que ele está sendo contratado até a saída da oposição (isso lhe dá pontos). É interessante que ele colocou o filho na TVE que criticava as famílias. Não consegui um emprego para minha filha quando ela era gerente. pic.twitter.com/3PPyPvppl3
-Carmem Sastre (@Carmensastre12) 20 de novembro de 2025
O caso de Fortes não foi o único. Desde 20 de Novembro, pelo menos três outros jornalistas, todos com carreiras profissionais distintas, foram atacados utilizando métodos semelhantes. Esse é Jesus Maranhão Infolibre; Isaias Lafuente da Cadena SER; e Ester Palomera de elDiario.es. Em nenhum caso foram apresentadas provas da ocorrência de nepotismo, mas em todos os casos presumiu-se que os filhos beneficiaram da posição dos pais para alcançar uma determinada posição.
Fernando Gonzalez Urbaneja, presidente da Comissão de Arbitragem, Reclamações e Ética Jornalística, argumenta que os ataques a jornalistas que exploram os seus filhos são “lamentáveis” e “preocupantes” para a profissão. Na sua opinião, representam “mais uma prova” de que “as redes sociais são completamente irresponsáveis” e que “tudo é permitido” nelas. Tais factos, acrescenta, mostram que as redes não só “arruínam” o trabalho dos jornalistas, mas também deixam os profissionais da comunicação social indefesos face aos distribuidores de conteúdos sem qualquer rigor. “Toda a solidariedade para com estes colegas. Não podemos aceitar (tal comportamento). Se não tens outro motivo para criticar alguém que não seja mencionar os seus filhos, defines-te”, afirma Maria Rey, presidente da Associação de Imprensa de Madrid, que acredita que o “mais triste” é que há quem se apresente como “jornalista” e se envolva neste tipo de prática.
A mensagem de Sastre contra Fortes causou maior polêmica. O ex-jornalista da TVE Miguel Angel Idigoras apoiou-o em contas de extrema direita, como as do agitador Javier Negre, com quase 400 mil seguidores. O tweet está se aproximando de três milhões de visualizações.
Outro ultrausuário Senhor Liberal, com mais de 160 mil seguidores no X, acusou o popular apresentador de “silenciar” o filho. O presidente do Vox em Cádiz, Ramon Omesque, juntou-se ao ataque, publicando, como Negre, um close do filho de Fortes: “Lembre-se dele quando seu filho ou filha passar 4 anos estudando jornalismo e acabar na lista do desemprego. Eles cobram de seus impostos. Isso é socialismo”, observou. A postagem está se aproximando de um milhão de visualizações.
A par das críticas, surgiram inúmeras manifestações de apoio a Fortes, partilhadas por jornalistas de organismos públicos como Silvia Inchaurondo ou Carlos del Amor, bem como de outros meios de comunicação como Luz Sánchez Mellado (El PAIS) ou Joan Guirado (abc), entre muitos outros. No sábado, o Conselho de Notícias da TVE publicou uma mensagem condenando “os insultos aos trabalhadores da TVE”. “Lembramos que cada pessoa merece ser valorizada pelo seu esforço, mérito e comportamento, independentemente do seu ambiente pessoal”, afirmou a autarquia, agradecendo a Fortes, que em vários tweets explicou que o seu filho estudou jornalismo na Complutens, fez um estágio não remunerado na TVE e tem agora um “contrato de formação” que termina dentro de duas semanas.
Muito obrigado. Meu filho concluiu os estudos, fez estágios em vários meios de comunicação e agora está terminando o curso de TVET (como centenas de jovens há anos), que termina em duas semanas. Como tenho sobrenome não é necessário indicá-lo, mas é assim que as coisas são. https://t.co/X0WO8SH1Wy
—Xavier Fortes (@xabierfortes) 23 de novembro de 2025
“É estagiário, tem um contrato não renovável que agora expira”, resume Javier Fortes por telefone, sugerindo que os jornalistas aceitem que possam ser “analisados e criticados”, mas considera a utilização do filho um “vilão”. “Ao compartilhar imagens de vídeo congeladas com seu rosto e sobrenome, você corre o risco de algum simplório lhe dizer algo na rua”, acrescenta Fortes, que não acredita que tais situações devam ser motivo para abandonar as redes sociais. “Se deixarmos este espaço nas mãos dos canalhas, as coisas vão mal. Devemos responder às mentiras”, acrescenta Fortes.
Em conversa telefônica, Sastre negou ter “justificado” a contratação do filho de Fortes, de 24 anos. “Não disse que ele foi tratado favoravelmente, disse que já trabalhava para a TVE, isso é óbvio”, afirma a jornalista, hoje reformada, que insiste não ter ideia das consequências das suas palavras. Dado o efeito, ele estava errado? “Não vou recuar”, responde Sastre, que afirma querer destacar a aparente contradição entre a contratação do filho de Fortes e o fato de seu pai, quando ela era diretora, ter protestado contra o que então se chamava de “conselho editorial paralelo” da TVE. Mas justifica-se processar o filho de Fortes por isso? Ela nega que estivesse “mirando” o jovem, apesar de postar um vídeo de suas conexões dizendo que seu pai já o havia “bombeado”.
“O Método Steve Bannon”
Um dia depois da mensagem de Sastre contra Fortes, um Twitter com mais de 70 mil seguidores chamado Pablo Haro, funcionário Liberdade digitalpublicou uma série de mensagens em um tópico sobre Haro publicando nomes e fotos das filhas do diretor editorial Infolibre. A primeira postagem do tópico Haro x Maranha recebeu mais de 320 mil visualizações.
Tal como aconteceu com Fortes, outros utilizadores apoiaram a publicação, atacando Maranha, que no El Pais perguntou a Haro se ele sabia de alguma irregularidade na carreira das filhas de Maranha que justificasse a sua publicação. A resposta foi não.
As pessoas que trabalham para Jiménez Losantos e Lens enxameiam esta rede e, como não conseguem encontrar quaisquer violações da lei, crimes fiscais ou dependência de dinheiro público, estão agora a investigar e a difamar as minhas filhas. Desgosto total!!!
—Jesus Marana (@jesusmarana) 22 de novembro de 2025
“Já chegaram ao ponto de usarem os filhos para destruir jornalistas. Não me parece coincidência que nos mesmos dias ataquem jornalistas com perfil semelhante e com o mesmo sistema”, diz Maranha por telefone, que acredita que ao entrar em detalhes para desacreditar este tipo de ataques, ganham uma fama que os seus autores não merecem. “Eles usam a técnica de Steve Bannon de encher tudo com lixo e esperar que os outros façam o mesmo”, diz ele.
“Banditismo puro”
Entre as diversas formas de apoio que Fortes e Maranha receberam está Esther Palomera, designada para a direção elDiario.es. Foi a partir da defesa de Maranha que o Twitter com mais de 71 mil seguidores no X, Arturo Villa, publicou uma mensagem em que o filho de Palomera aparece ao lado do ministro do Interior, Fernando Grande-Marlaska. Referindo-se a esta foto, Villa observa que o filho de Palomera trabalha para a consultoria de relações públicas Acento, fundada pelo ex-ministro e ex-líder socialista José Blanco. A postagem, que recebeu mais de 147 mil visualizações, acusava o filho de Palomera, de 26 anos, de ter um “caso” sem qualquer prova e atacava o jornalista por isso, também em termos grosseiros. Villa justifica o seu tweet dizendo que em Bruxelas, onde vive, se fala “muito” sobre “salão“, então ele sabe que Asento “cheira nada bem”.
Palomera, que passou cinco anos aturando contas online e relatos pseudo-mídia de que seu filho, integrante da Juventude Socialista, recebeu pagamento de Ferraz quando ele não recebeu, diz por telefone que por enquanto não responde mais a tais comentários. Claro, ela lamenta que nas redes sociais os insultos e mentiras dirigidos contra ela e o filho, incluindo fotografias dele, fiquem impunes, mesmo quando ela os denuncia.
Ele também viu como seu filho Isaias Lafuente, do SER, foi usado contra ele. Uma conta anônima X chamada Trocarpostou uma foto sua e outra do filho de 26 anos junto com uma mensagem que dava a entender que ele conseguiu escrever obras como funcionário do EL PAÍS graças ao pai. Lafuente respondeu fortemente, e o usuário deletou a postagem e depois a conta, mas não antes de causar um rebuliço clássico no Twitter.
Você é ignorante e falador @Desconectadorexceto o covarde anônimo. O que você afirma e o que você insinua é falso. Espero que, se você os tiver, seus filhos façam um bom trabalho. Se conseguirem pouco, ele será mais digno que seu pai. Ou a mãe dele, não consigo descobrir… https://t.co/D9niYCJqrX
— Isaias Lafuente Zorrilla (@IsaiasLafuente) 23 de novembro de 2025
“Lido com pessoas que me incomodam. Mas sou firme quando se trata da minha família. Tem que haver um limite”, explica Lafuente, que considera os ataques ao filho “absolutamente injustos”, que fez mestrado no EL PAÍS e já colaborou com a mídia sem ser funcionário em tempo integral, explica por telefone. “Essas coisas ultrapassam todos os limites, são vergonhosas. Isso é puro banditismo, isso é humilhação”, afirma.