novembro 28, 2025
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Tal como todos os cidadãos que interagem com os meios de comunicação social, estou impressionado com a impressionante exibição de uma campanha publicitária governamental cujo slogan é “A democracia é a sua força”, enquanto enfrentamos um veredicto enganador que merece uma reflexão calma em vez de reações precipitadas, mesmo quando apropriadas. Por exemplo, seguindo a linha discursiva da publicidade, poderíamos dizer “saber ocupar”, “saber proibir”, “saber expropriar”, mas isso seria como pegar um rabanete pelas folhas.

Na verdade, o slogan “A democracia é a sua força” coloca a ênfase não na democracia, mas no poder. Somos confrontados com uma construção retórica, semântica e pragmática que quer que acreditemos que é inclusiva, quando o verdadeiro foco semântico está noutro lugar. O sujeito gramatical é a democracia, e seu atributo seria o poder, mas o peso semântico e afetivo recai não sobre a “democracia”, mas sobre o “poder”, já que a estrutura copulativa não define “democracia”. Em vez disso, redefine o destinatário como tendo “poder”. Do ponto de vista pragmático, esta frase não fornece informações sobre o que é democracia, mas sim promete apropriação. Assim, estamos perante uma campanha que sugere que “esta” democracia não é um sistema para todos, mas sim uma ferramenta de empoderamento individual.

Se “democracia” é o mesmo que “seu poder”, então a palavra que dá sentido à frase não é “democracia”, um conceito abstrato e até banal, porque o que ativa um campo semântico emocional, político e simbólico muito mais ressonante na imaginação é a expressão “seu poder”. Assim, a democracia é reduzida a um pretexto que legitima o desejo de poder: uma ordem normativa e institucional (“democracia”) é transformada numa capacidade subjetiva (“seu poder”). A cratera desta frase não é um conceito político, mas uma promessa de poder e/ou um convite à tomada do poder. E aqui a manipulação torna-se mais subtil, porque percebo a falácia da exclusividade democrática implícita dirigida ao cidadão.

Para explicar este equívoco, devo recordar as ideias de Norberto Bobbio e Luigi Ferraggioli, que argumentam que uma “democracia dominante” é uma democracia em que as leis actuam como um controlo do poder, enquanto uma “democracia gerida” é uma democracia que transforma as leis numa expressão do seu poder. Não preciso dar exemplos para comprovar a nossa condição de “democracia administrada”, porque a frouxidão do governo em matéria de decretos-lei fala por si. Assim, o poder concedido virá do governo, que se considera a fonte do poder, como se a Constituição não existisse.

Se o governo for democrático, o poder concedido é o poder do governo. Narcisismo? Não. Ventriloquismo político.