Desde que surgiram os primeiros conflitos armados entre impérios oscilando entre a realidade e a lenda, no Paleolítico, a guerra tem sido uma fonte de morte, mas também uma fonte de engenhosidade e inovação. “O aspecto contraditório é o impulso criativo, que … muitas vezes acompanha a guerra. A urgência de uma ameaça mortal geralmente leva à rápida invenção de novas formas de combatê-la”, explica ele à ABC. Vicente BernardoDoutor Honoris Causa de quatro universidades espanholas e autor do novo livro “História da Guerra na Infografia” (Crítica). A lista de dispositivos que revolucionaram o campo de batalha é longa: máquinas de cerco medievais, a besta de repetição chinesa, a pólvora… “Este processo continua até hoje com o uso de drones e inteligência artificial na Ucrânia”, afirma o francês.
Este impulso criativo também influenciou a forma como lutamos. “A arte da guerra tática é um ciclo perpétuo, cujos métodos estão em constante evolução, mas sempre baseados nos mesmos elementos fundamentais: manobrabilidade e relacionamentos entre fogo (combate de longo alcance) e choque (combate corpo a corpo)”, explica o francês. Os exemplos são dezenas, mas ele tem um favorito: “Uma tática que adoro pela sua eficácia é a cobertura de asas ou cobertura dupla, pois permite cortar a rota de fuga do inimigo. É sem dúvida o mais eficaz e contribuiu para vitórias esmagadoras como a Batalha de Cannes (216), a manobra de Napoleão em Ulm (1805) ou, numa escala mais operacional, o cerco do exército francês nas Ardenas em 1940.
Às vezes a magia funcionou e o país conseguiu tornar-se pioneiro em avanços tácticos e capacidades militares. E Bernard dá um exemplo claro: a era dourada da monarquia latino-americana. “Com a sua composição armada combinada, disciplina e organização tática, o Tercio era um modelo para a infantaria profissional, que só declinou com o advento de tropas mais flexíveis e com mais poder de fogo”, explica o francês. Segundo ele, graças a tudo isto, a Espanha e o seu império, já no século XVI, representaram talvez a primeira potência mundial real da história. “Graças à riqueza e ao controlo territorial, a influência da Idade de Ouro espanhola foi enorme em todas as áreas. Não esqueçamos o poder naval: o galeão representa uma conquista fundamental na navegação oceânica”, conclui.
guerra cíclica
O melhor exemplo da natureza cíclica da guerra, argumenta Bernard, foi a invasão russa da Ucrânia: “Este episódio mostrou uma incrível combinação de arcaico e moderno e mostrou que embora os meios e métodos de luta estejam em constante evolução, há sempre um traço de antiguidade nos conflitos. 24 de fevereiro de 2022 divisões mecanizadas Vladímir Putin Eles cruzaram a fronteira sudoeste do país a toda velocidade em direção à capital Kiev. “Foi a mesma blitzkrieg que tinha sido usada na Segunda Guerra Mundial e refinada na Guerra Fria: uma série de operações ofensivas profundas que dependiam de forças blindadas apoiadas por aeronaves e mísseis”, conclui.
“Último Tercio”, Augusto Ferrer-Dalmau
Quando as divisões mecanizadas foram detidas pela resistência ucraniana e pela assistência ocidental, as operações mudaram. “Tornou-se guerra de posição e atritomuito mais estático e descentralizado, onde a artilharia, a camuflagem e as fortificações de campo determinaram a evolução do campo de batalha. Estas condições gerais são, sem dúvida, arcaicas e degradadas, mais típicas da Primeira Guerra Mundial ou do fim da Guerra Civil Americana”, afirma Bernard. O historiador James Holland, autor do recente livro Band of Brothers (Book Attic), acrescenta em declarações à ABC que a antiga figura do mercenário também foi fundamental no conflito. “O Grupo Wagner desempenhou um papel decisivo até à morte de Prigozhin”, defende.
História da guerra em infográficos
Laurent Touchard, Julien Pelletier e Vincent Bernard publicaram “The History of War in Infographics” (revisão). O objetivo do ensaio é analisar como a guerra e as armas evoluíram desde ferramentas de pedra e osso usadas nos primórdios da humanidade até as modernas tecnologias digitais. Tudo isto aconteceu graças à introdução dos primeiros metais forjados, à domesticação dos animais, à descoberta da pólvora e, entre muitos outros episódios, à organização das legiões romanas e à utilização de carros de guerra. Usando dezenas de infográficos, eles analisam como os exércitos foram formados, quais recursos possuem e como lutam.
Historiador militar Jean Lopesautor de um ensaio recente “Barbarossa 1941” (Livro Sótão)adere à ideia de que os conflitos são cíclicos. O problema, argumenta ele, é que no velho continente esquecemos como era o combate em grande escala há apenas um século. “O que nos surpreendeu foi o regresso de uma guerra intensa que mobilizou o Estado como um todo: do exército à sociedade. Na Europa, estamos habituados a guerras curtas ou distantes que não afectam o nosso quotidiano, e agora temos dois rivais que, como aconteceu há décadas, mobilizam todos os recursos à sua disposição e não se importam com isso”, explica o francês.
Por sua vez, Bernard reconhece que existem meios e métodos de guerra que revolucionaram o campo de batalha: “Nos últimos anos, o progresso tecnológico na guerra tem sido tão rápido quanto impressionante. Dois dos exemplos mais marcantes são a proliferação de drones de todos os tipos e tamanhos, e o crescimento maciço dos chamados “guerra cibernética” hoje baseado em Inteligência artificial” Os primeiros revelaram-se os mais decisivos, pois por um preço de apenas 1.000 euros conseguem obter um tanque de guerra no valor de 8.000.000. No entanto, o especialista defende que os militares ainda têm de encontrar uma forma de aliar as tradições que ainda persistem nos conflitos com uma modernidade tecnológica sem precedentes. “Saber utilizá-los será um grande desafio nos próximos anos”, afirma.
Mídia desatualizada?
O advento dos drones revelou mudanças profundas na natureza da guerra. O uso de tanques, símbolo dos exércitos da Primeira e Segunda Guerras Mundiais, é hoje questionado por alguns especialistas. Embora este não seja o caso de Bernard. “Esta não é a primeira vez que sua conclusão é anunciada. Já com o advento dos mísseis, houve especulações sobre seu desaparecimento”, explica. O francês afirma que ainda é o único sistema de armas que combina três elementos táticos fundamentais em terra: poder destrutivo (através de canhões e metralhadoras), proteção (blindagem capaz de proteger a infantaria no interior) e mobilidade.
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“Esta não é a primeira vez que o fim do tanque é anunciado. Com o aparecimento do foguete, surgiram especulações sobre o seu desaparecimento.”
A Holanda também se recusa a considerar morta uma arma que domina o campo de batalha há mais de um século. “Desde que os tanques surgiram, foram inventadas formas de destruí-los, mas eles continuam a fazê-lo, reinventando-se. Afinal, não resta muito para as armas antiaéreas limitarem o alcance e a eficácia dos drones”, explica. Estas feras blindadas, diz ele, continuarão a desempenhar um papel fundamental nas guerras futuras, embora sempre em combinação com outros ramos das forças armadas. “Eles devem trabalhar lado a lado com a infantaria para proteger uns aos outros”, acrescenta. E ele corrobora suas palavras com dados: “Dos 14 Challenger II que os britânicos enviaram para a Ucrânia há dois anos, 12 ainda estão em serviço, em condições de combate.
Operador de drone ucraniano.
O Exército é cauteloso quando se trata de drones. Alejandro Ocon CasalO primeiro-sargento do 73.º Regimento de Artilharia Antiaérea não nega que tenham um grande desempenho a um custo muito baixo: “Variam muito consoante a tarefa a que se destinam. Vigilância, reconhecimento, informação… Os mais comuns são os kamikazes, que podem destruir um tanque por apenas 200 euros. No entanto, não acredita que sejam a arma definitiva. “Podem ser destruídos através de sistemas como o Cervoque é capaz de suprimir, destruir ou derrubar uma ameaça. Eles também podem ser mortos com canhões 35/90. Oerlikonmísseis ou equipamentos de guerra eletrônica. Mas é preciso ter cuidado: não se pode desperdiçar um projéctil muito caro num drone que custa alguns euros”, conclui.
O problema está longe de ser resolvido, mas há algo que Bernard deixou claro: “Apesar da ascensão da inteligência artificial, da disseminação dos drones e da robotização em massa, estou convencido de que as pessoas não desaparecerão completamente do processo de tomada de decisão ou da execução de planos. “Não creio que alguém esteja pronto para confiar toda a dimensão da guerra a sistemas automatizados”, diz ele. Segundo o francês, esta afirmação também pode ser aplicada à Força Aérea. “Os carros não substituirão o piloto; estará sempre lá no futuro, embora a sua função provavelmente mude muito nas próximas décadas”, conclui. Entretanto, continuaremos a ver como se desenvolve a nobre arte do combate.