dezembro 3, 2025
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Miguel Fabiano (Montclair, Nova Jersey, EUA, 1984) entra no camarim bem vestido e, antes de iniciar uma conversa, pede desculpas pelo seu espanhol, língua que se esforça para melhorar a cada dia – “Você pode me mandar uma gravação depois para que eu corrija os erros, por favor?” ele pergunta. O tenor, uma das maiores vozes da ópera da atualidade, vive há vários anos em Madrid: “Na verdade, moro em aviões, aeroportos e teatros, e a minha base é Barajas”, sorri. Mas agora ele está “em casa” para interpretar Don José na famosa Carmen de Bizet no Theatre Royal Damiano Micheletto e musicalmente Eun Sung Kim. Os colegas de Fabiano incluem Aigul Akhmetshina, J'Nai Bridges, Ketevan Kemoklidze, Charles Castronovo, Lucas Meacham, Luca Micheletti, Dmitry Cheblykov, Adriana Gonzalez e Miren Urbieta-Vega.

Há oito anos, diz ele, ele assumiu pela primeira vez o papel de um soldado navarro enfeitiçado por uma cigana criada por Prosper Mérimée. “Foi em Aix-en-Provence, numa produção muito estranha – foi dirigida por Dmitry Chernyakov – mas muito inteligente. Ele me apresentou Don José; esta é uma pessoa marcada pelo trauma, pela influência excessiva de sua mãe. Quando ele aparece pela primeira vez, vemos um homem retraído e que sofre muito. A aparição de Carmen significa para ele a possibilidade de liberdade, uma vida diferente. Esse novo caminho e essa mulher se tornaram uma obsessão para ele.

– Obsessão fatal…

-Sim, ele não consegue parar de pensar nela, mas Carmen nunca diz a ele “eu te amo” e ele se pergunta por quê. E o trauma dela deixa de ser a mãe e passa a ser Carmen. Dom José encontra nela a liberdade, mas torna-se seu prisioneiro.

-Ele fica tão obcecado que a mata.

– Não é algo deliberado, é um impulso. Quando Don José vem conhecê-la no quarto ato, ele quer conversar com Carmen, para saber por que ela não o ama mais, por que seu amor acabou. É uma situação que todos podemos compreender… Carmen é a primeira ópera verista… Mas ele não vai matá-la; É um impulso fatal, mas mesmo assim um impulso. Em algumas produções parece um ato deliberado, mas acredito verdadeiramente que a intenção dele não era matar Carmen.

– Em que período está definida esta produção?

-Em 1976, após a morte de Franco; o mundo está em crise… A produção de Damiano Micheletto é muito interessante e compartilha minhas ideias sobre meu personagem.

“Gosto de diretores que vêm com uma ideia e a mudam durante os ensaios dependendo do que veem e do que conversam com os atores. Agradeço que existam diretores que querem saber o que penso e sinto sobre os personagens.”

– Os diretores ouvem as opiniões dos cantores sobre os personagens?

– Geralmente não, geralmente eles têm suas próprias ideias e querem que nós, cantores, as implementemos. Gosto de diretores que têm uma ideia e a mudam durante os ensaios dependendo do que veem e do que conversam com os intérpretes. Agradeço que existam diretores que querem saber o que penso e sinto sobre os personagens.

– Acontece o mesmo com os diretores musicais?

– Exatamente, para mim é importante que o maestro tenha suas próprias ideias e as explique. Quando há estrutura consigo trabalhar com mais liberdade. Esta produção conta com Eun Sung Kim, um diretor que conheço há muito tempo e em quem confio muito. Eu sei o que ele quer e espera de mim antes mesmo de começar a ensaiar. Gosto do estilo de direção dele.

– Existe um estilo feminino de direção?

-Acho que não, existe uma maneira boa de dirigir e uma maneira ruim de dirigir. Há quem tenha mão e quem não tenha; quem tem ideias e quem não tem. Se uma pessoa tem mão e ideias, ela pode dirigir um carro, seja homem ou mulher.

– “Carmen” é uma adaptação cinematográfica do romance. Você baseou isso na personagem dela?

-Confiei mais na partitura, na ópera.

-Você acha que ele é uma pessoa fraca?

-Não. Pelo contrário, ele é um homem forte de 35 a 40 anos. Ele é um soldado, tem obrigações para com seu país, enfrenta seus problemas… Sua vida muda e ele deixa para trás sua mãe, sua família e seus traumas.

– Embora Carmen se passe na Espanha, é uma ópera francesa. Morar na Espanha faz você abordar o personagem de forma diferente?

-Não, acho que não. Ele é um ser humano, seja espanhol ou francês.

– Existe agora uma maior especialização entre os cantores? Você tinha um repertório mais amplo antes?

-Não, acho que não. Cantei mais de sessenta peças; quinze Verdi, quase todos Puccini, muita ópera francesa. Os cantores têm muitos estilos e caminhos; Um cantor que canta bem consegue cantar quase tudo.

“Estou aprendendo Otelo há dez anos e espero cantá-lo por pelo menos mais dez. Tenho partituras na minha mesa de cabeceira como uma Bíblia. Todas as noites estudo um pouco: palavras, história, Shakespeare. Não vejo hora de cantar isso.

-Você parece um tenor confiante… Você não parece estar nervoso, mas gosta de estar no palco…

-Fico nervoso no dia anterior, pensando no que tenho que fazer no palco. Quando me preparo, fico ansioso. Mas nunca no palco. Se você estudou e se preparou, não sofre no palco.

-Ele vai cantar “Othello” pela primeira vez em Las Palmas de Gran Canaria. São palavras grandes…

-Estou estudando há dez anos e espero cantá-la por pelo menos mais dez. Tenho partituras na minha mesa de cabeceira como uma Bíblia. Todas as noites estudo um pouco sobre isso: palavras, história, Shakespeare. Não vejo hora de cantar isso.

-Por que você escolheu Madrid para morar?

-Por vários motivos. O Teatro Real para mim é um dos melhores, porque em cada espetáculo se cria uma família, as pessoas que trabalham no teatro são uma família. A sala de jantar também é importante. Cada vez que venho, sinto que estou com a família aqui, o que não posso dizer de outros teatros. Além disso, em Madrid o custo de vida ainda é baixo em comparação com Paris, Londres, Berlim, Milão… O aeroporto de Barajas é fantástico e para mim é importante ter um aeroporto a partir do qual se possa chegar facilmente a outros lugares… Há outro factor: sabias que Madrid tem mais quilómetros de metro do que toda a Itália? E por fim: as pessoas aqui sorriem, andam sempre sorrindo. Gosto da vida em Madri.