O terceiro setor espanhol, composto por mais de 28.000 organizações sem fins lucrativos, está a dar um passo em frente para afirmar o seu peso na sociedade e na economia. Para comemorar os 15 anos do programa Talento Solidário, a Fundação Botín apresentou … relatório “O Terceiro Sector da Acção Social em Espanha (2008-2024): Desenvolvimento, Impacto e Desafios Futuros” elaborado pelos investigadores Manuel Pérez Yuruela (CSIC) e Gregorio Rodríguez Cabrero (Universidade de Alcalá).
Javier Cañete, diretor de programas da Fundação Botín, comenta à ABC: “O número de ONGs se estabilizou, permitindo uma melhor cooperação entre elas. Quando enfrentamos um problema, lançamos uma chamada na qual ONG debatem possíveis soluçõese então a Fundação os combina com financiamento inicial para transformar essas ideias em projetos.” Oito em cada dez organizações trabalham em redes, projetos conjuntos ou plataformas de colaboração, indicando mudanças estruturais no sentido da eficiência e da profissionalização. 68% dos colaboradores possuem formação superior, facto que reforça a consolidação de capital humano qualificado.
A investigação traça um quadro de força e crescimento sustentado: o setor emprega atualmente cerca de 600.000 pessoas, um aumento de 15% em relação a quinze anos atrás, e a atividade aumentou 11%. A isto há que acrescentar mais de 1,5 milhões de voluntários (quase 4 milhões se incluirmos todo o sector social) e uma contribuição económica equivalente a 1,2% do PIB de Espanha. O ecossistema social geral está se movendo mais de 100 mil ações diariamente em benefício da comunidade.
Mais setor profissionalizado e menos dependência do Estado
Segundo o relatório, as receitas do Terceiro Setor cresceram 13% nos últimos anos e a sua dependência de fundos públicos diminuiu 12 pontos, para 49%. Esta diversificação de financiamento é explicada expandir a cooperação com empresas privadas e novas formas de economia social. “O programa de talentos Solidariedade visa promover a colaboração entre diferentes ONGs, bem como uma colaboração mais estreita entre os setores público e privado”, explica Javier.
Embora o número total de organizações – cerca de 28 000 – tenha permanecido praticamente inalterado nos últimos anos, o estudo regista uma concentração positiva: menos organizações, mas mais fortes e mais coordenadas. Destaca também o potencial anticíclico do sector, que conseguiu manter as suas operações apesar das sucessivas crises em 2008, 2020 e 2022. Javier disse ao ABC que estas crises significam que “é preciso fazer mais com menos”. O Talento Solidário surgiu no auge da crise do coronavírus e nos obrigou a aumentar a eficiência.”
Apenas um em cada cinco jovens fala sobre a esfera social
Apesar do seu peso económico e social, o relatório alerta que a imagem pública do Terceiro Sector continua fraca. A análise da conversação digital realizada pela consultora LLYC mostra que apenas três em cada dez utilizadores das redes sociais mencionam as redes sociais, com a atenção a cair para 20% entre aqueles com menos de 30 anos.” Os jovens de hoje estão mais comprometidos com as questões sociais. Eles os compreendem, mas precisamos desenvolver canais que nos permitam alcançá-los”, afirma Javier.
A Fundação Botin interpreta estes dados como um sintoma de desunião e desconhecimento sobre o trabalho diário das ONGs de médio e pequeno porte, que constituem a maioria. Confrontada com um debate público polarizado, muitas vezes centrado em grandes crises ou questões sensíveis, a organização defende a visibilidade das “ações invisíveis” que apoiam a coesão social nos bairros e municípios.
“Somos Ninguém”, campanha que visa mudar a cara do impacto social
Para inverter esta desconexão, quase 500 ONG de toda a Espanha lançam hoje uma campanha de comunicação conjunta sob o lema “NÃO SOMOS NINGUÉM”, promovida pela Fundação Botín e a Plataforma do Terceiro Sector e desenvolvida pela agência Pingüino Torreblanca.
A apresentação do relatório coincidiu com a celebração dos 15 anos do programa Talento Solidário, que nasceu em 2010, no auge da crise económica, com o objetivo de apoiar médios e pequenos atores sociais. Desde então, a Fundação Botin investiu quase oito milhões de euros neste programa, dos quais 4,5 milhões foram atribuídos diretamente a projetos de ONG. Durante esses quinze anos Talento Solidário financiou 492 organizações.analisou 7.400 projetos, criou mais de 250 empregos, promoveu 100 iniciativas conjuntas e facilitou o estabelecimento de mais de 2.900 conexões entre empresas e organizações sociais. Além disso, realizou 2.010 treinamentos e compartilhou 300 melhores práticas.
A Rede de Talentos Solidários reúne atualmente mais de 400 organizações de 22 setores diferentes que apostam na inovação, na colaboração e na sustentabilidade como pilares da transformação.
Desafios Futuros
O relatório identifica vários desafios estruturais: promover a digitalização, atrair jovens talentos, garantir a sucessão geracional em cargos de gestão e consolidar um modelo de financiamento estável. Levanta também a necessidade de reforçar os laços com os cidadãos e de atualizar a história do setor para ter em conta os novos aspetos sociais. “Há três anos lançámos um programa de transformação digital que já atingiu mais de 200 OSFL em Espanha. Oferecemos diferentes níveis de assistência dependendo do nível de digitalização em que as organizações se encontram”, explica Javier ABC. “Somos um setor inovador e queremos mostrar isso jovens talentos podem construir uma carreira profissional na indústria “E para eles desenvolvemos estruturas que lhes permitem sentir-se incluídos neste setor de trabalho.”
Apesar das dificuldades, a Fundação Botin sublinha que o Terceiro Sector tem demonstrado ser um importante motor de coesão e desenvolvimento. As suas atividades não só complementam as políticas públicas, mas também estimulam a inovação social e promovem valores como a solidariedade, a cooperação e a participação. A campanha hoje divulgada visa precisamente reconhecer este papel e torná-lo visível. “O trabalho das ONG não pode continuar invisível. Cada ação, cada projeto, cada voluntário contribui para o bem-estar geral”, enfatiza Javier. “O objetivo é tornar excecional o trabalho que este terceiro setor em Espanha realiza, cada vez mais profissional e transparente.”
Assim, num contexto de fragmentação social e de desinformação, o sector social espanhol reivindica o seu lugar como base do desenvolvimento humano e económico. Com mais de quatro milhões de pessoas envolvidas, milhares de projetos em curso e um impacto mensurável no PIB, o Terceiro Setor envia uma mensagem clara: não somos ninguém, somos tudo.