O processo eleitoral do último domingo deixou Honduras numa situação sombria. Cinco dias após o encerramento das urnas, o país centro-americano ainda não sabe ao certo quem será o seu próximo presidente. O sistema de contagem de votos enfrentou uma série de problemas técnicos no serviço de divulgação de resultados, e nem o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) nem o Tribunal Eleitoral (TJE) foram capazes de oferecer uma solução.
A auditoria progrediu aos trancos e barrancos desde que o Sistema de Transmissão de Resultados Preliminares (TREP), o único mecanismo de divulgação rápida dos resultados da votação em que os hondurenhos podem confiar, deixou de funcionar. Foi só esta quinta-feira que o número finalmente ultrapassou o limite dos 85 por cento.
Dois homens disputam a presidência. Conservador Nasri Asfourex-prefeito da capital, conhecido como Tito Asfura ou Papai por encomendae liberal Salvador Nasrallahum famoso apresentador de TV e comentarista esportivo com um pé na arena política. Dois homens, aliás, nasceram em Tegucigalpa, mas são de origem palestina.
Asfura liderou a contagem de votos por 515 votos. Nasrallah o ultrapassou na quarta-feira. Mas esta quinta-feira, enquanto o líder centrista desfrutava da vitória, Asfura recuperou inesperadamente o primeiro lugar. O candidato conservador receberia 41,20% dos votos, em comparação com 39,46% de Nasrallah.
A diferença ultrapassa 20 mil votos. A diferença é tão estreita que a CNE a considera “histórica”. É difícil reverter a tendência neste momento, mas quase ninguém parece disposto a apostar com base no que vimos. Também não é um incentivo que a escolha do presidente seja determinada em um único turno.
Nasri Tito Asfura, candidato do Partido Nacional de Honduras.
Reuters
Intervenção Donald Trump Isso não tornou as coisas mais fáceis no processo. O Presidente dos Estados Unidos tomou partido 48 horas antes da abertura das urnas, apelando ao voto em Asfura e ameaçando suspender a ajuda económica a Honduras – para evitar continuar a “desperdiçar dinheiro” no país – se o candidato conservador, um fã declarado Javier Miley E Naib Bukele com uma longa carreira política, perdeu as eleições.
Não satisfeito com isso, Trump voltou a jogar a carta intervencionista no meio de uma lenta recontagem. Ele levantou a questão da fraude eleitoral quando a margem de votos entre o seu candidato e Nasrallah começou a diminuir. “Parece que Honduras está tentando mudar os resultados das suas eleições presidenciais. Se o fizerem, haverá consequências graves!” ele escreveu em sua plataforma Truth Social.
Muitos se perguntam o que está perdido em Honduras. Os hondurenhos são claros sobre isso. Orlando J. Perezprofessor de ciência política da Universidade do Norte do Texas, explica que o presidente republicano “tem vários interesses ao mesmo tempo: mostrar que está ‘contendo’ o eixo Cuba-Venezuela-Nicarágua, intensificando a sua guerra ao discurso das drogas e enviando um sinal à sua base latina nos Estados Unidos de que apoia governos ‘duros’ de direita numa perspectiva de segurança”.
Mas por que as fileiras estão se fechando com Papai por encomenda? “A sua ligação ao Partido Nacional é política e biográfica: foi o governo Juan Orlando Hernándezperdoado hoje por Trump, que trabalhou em estreita colaboração com Washington em questões de segurança e migração, e Asfura é o herdeiro deste projeto”, responde Perez.
“Apresentar Asfura como ‘o único com quem pode trabalhar’ não só beneficia o Partido Nacional, mas também tenta abrir um precedente: os aliados que concordam com a agenda de Trump sobre migração, combate às drogas e Venezuela recebem um claro apoio eleitoral e até vantagens judiciais, embora as credenciais democráticas do parceiro sejam questionáveis”, acrescenta o especialista em diálogo do EL ESPAÑOL.
Isto permanece paradoxal porque, como salienta um advogado hondurenho a este jornal, Gisele WoloznyAsfura, cofundadora da consultoria CENTURIA, passou os últimos quatro anos tentando se distanciar do legado de Hernandez, conhecido como JOH, figura polarizadora do cenário político nacional. Trump falhou nesta estratégia, mas o ocupante da Casa Branca ainda pode conseguir o que quer.
Os Estados Unidos estão a desestabilizar a situação, mas Nasrallah também não está a fazer a sua parte para reduzir as tensões. Candidato liberal denuncia fraude. Ele disse que um “algoritmo alterou os dados” da contagem na manhã de quinta-feira. Com vida noturna e engano.
Não há evidências, mas também não há dúvidas. Embora seja verdade, o órgão eleitoral admite que 17 por cento dos protocolos contêm inconsistências, pelo que serão verificados. Teremos que esperar.

O candidato presidencial Salvador Nasralla em entrevista coletiva em Tegucigalpa na terça-feira.
Reuters
Na verdade, as alegações de fraude reavivaram o trauma eleitoral que abalou o país nas eleições de 2017. “Então a contagem dos votos, repleta de irregularidades e deficiências técnicas, terminou com o rápido reconhecimento de Hernández, apesar das dúvidas da OEA e de grande parte da comunidade internacional”, lembra Perez.
“Hoje temos novamente um resultado muito próximo: uma falha de dados e uma interferência aberta de Washington, agora personalizada para Trump, questionando o processo quando o seu candidato estava a perder”, acrescenta.
Segundo a Amnistia Internacional, a crise pós-eleitoral de 2017 resultou em 31 mortes em confrontos com as forças de segurança. As vítimas eram seguidores do próprio Nasrallah, então candidato pela sigla “Aliança de Oposição contra a Ditadura”, que perdeu as eleições para Hernández, que confirmou a sua reeleição.
“O risco não é apenas que as próximas eleições sejam roubadas, mas também que se torne a norma que o resultado de uma eleição muito disputada seja decidido por pressão externa e narrativas importadas de fraude, e não pelas regras e instituições hondurenhas”, alerta um professor da Universidade do Norte do Texas.
perdão
A interferência de Trump no processo eleitoral de Honduras terminou na segunda-feira com a libertação de Juan Orlando Hernandez. Nas fases iniciais da recontagem, as autoridades penitenciárias dos EUA confirmaram que o antigo presidente hondurenho tinha deixado a prisão de segurança máxima em Hazelton, Virgínia Ocidental, onde cumpria uma pena de 45 anos de prisão.
Em março de 2024, um tribunal de Nova Iorque considerou-o culpado de tráfico de drogas e crimes relacionados com armas. A justiça americana provou que Hernandez recebeu subornos de nada menos que El Chapo Guzmáncomo parte de uma conspiração para contrabandear mais de 400 toneladas de cocaína através da fronteira dos EUA.
O próprio Hernandez pediu perdão ao presidente republicano em uma carta na qual o chamava de “Vossa Excelência”. Trump concordou, dizendo que Hernandez foi tratado “de forma muito dura e injusta” e que o governo Joe Biden “Ele preparou uma armadilha para ele.” Ele aceitou. E que, como consta nas instruções, JOH chegou a dizer a certa altura que “eles vão colocar drogas bem debaixo do nariz dos gringos”.
Hecatombe à esquerda
Ex-presidente Gabriel Zelayamarido e conselheiro judicial do presidente cessante Xioma Castroescreveu para
Zelaya, que sofreu turbulências à medida que Honduras se aproximava da órbita de Cuba e Venezuela, denunciou casualmente que “com a intervenção de Donald Trump e o seu perdão a John Jones, o bipartidarismo desesperado está a levar a um golpe eleitoral contra Rixie”.
As declarações do ex-presidente não atenuam o desastre do partido Libre, no poder, partido que ele fundou e coordena. O esquema de Xiomara Castro caiu para a terceira posição. Seu candidato Rixie Moncadapermanece “longe das suas expectativas e do papel que o seu poder político desempenhou nos governos recentes”, sublinha o analista. Daniel Zovato. Ele receberá apenas 19,30% dos votos.
O colapso da esquerda ocorre depois de quatro anos no poder num dos países mais violentos da região, atormentado pela violência de gangues e pela corrupção. Entretanto, “a direita está a ganhar força graças à perspectiva de restaurar não só o poder, mas também antigas alianças internacionais – como uma possível restauração das relações com Taiwan – e o apoio inesperado e intenso de Trump em Washington”, acrescenta Zovatto.