dezembro 5, 2025
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Existem dores que nunca podem ser completamente aliviadas. Enrique perdeu o filho Ivan em um acidente de trânsito causado pelo motorista de outro carro. Apesar das sentenças proferidas aos responsáveis, o homem insiste que a justiça tradicional “não foi concebida para servir as vítimas”. O documentário foi lançado nesta sexta-feira. Vidas restauradas nos Texas Cinemas de Barcelona, ​​​​um projeto dedicado ao encontro entre vítimas de acidentes rodoviários e seus autores, a chamada justiça restaurativa.

O filme mostra que cada duelo é individual. Há pessoas que sentem necessidade de conversar com o responsável pelo acidente que levou seu ente querido, enquanto outras não se sentem preparadas para isso. Enrique, por exemplo, afirma que hoje poderia tomar café com o homem que matou seu filho.

Por outro lado, Alba, que foi atropelada por um condutor que conduzia demasiado depressa e olhava para o telemóvel, admite que ainda não se sente capaz de se reconciliar com o seu agressor. O acidente a deixou em coma e, embora tenha conseguido se recuperar, teve que reaprender tarefas básicas como desenhar ou escrever. Outras consequências duradouras fazem a menina acreditar que nunca será capaz de perdoá-lo. Na verdade, ele diz que na primeira vez que cruzou novamente a passadeira de emergência, começou a tremer.


O filme, produzido pela Associação para a Prevenção de Acidentes Rodoviários (P(A)T) em colaboração com o Departamento de Ética Aplicada da Universidade Ramon Llull (URL) e produzido no âmbito da XXVIII Conferência Mediterrânica de Segurança Rodoviária, convida-nos a perguntar como a sociedade, as instituições e as pessoas entendem a justiça no contexto dos acidentes rodoviários. O foco está no fato de que o sistema prisional tradicional não está preparado para corrigir o sofrimento, mas sim para “perseguir os fatos e a culpa”.

Através de vítimas reais, responsáveis ​​por acidentes e especialistas das áreas jurídica, política e ética, o documentário mostra como o ato de “ouvir e ser ouvido” pode ser um passo importante na reparação de danos, explica P(A)T. Embora reconheçam que a justiça comum é “necessária”, acreditam que é “insuficiente” porque não ajuda a restaurar a “confiança” nem a “dar sentido” ao que aconteceu.

A justiça restaurativa oferece um modelo no qual, através de reuniões facilitadas por profissionais forenses, tanto as vítimas como os responsáveis ​​por um crime “participam ativamente no processo de reparação”. Para as vítimas, proporciona “um espaço de escuta e reconhecimento”; Para os criminosos, esta é uma “oportunidade” de “assumir a responsabilidade pelos seus atos”, explicou a juíza e presidente do Grupo Europeu de Magistrados para a Mediação Espanha (GEMME), Carme Gil, durante a apresentação.

Contudo, socialmente espera-se que os conflitos decorrentes de acidentes sejam resolvidos apenas através da justiça criminal ordinária. A Associação lembra que, em regra, nem as vítimas nem os perpetradores são informados da existência de uma via alternativa à justiça restaurativa. Na verdade, em muitos casos, os próprios infratores querem pedir desculpa, mas não se atrevem a fazê-lo – ou são aconselhados a não o fazer por outros – num ambiente judicial tradicional.

Eduardo, que provocou o acidente que acabou com a vida do homem, conta que após o incidente tentou contactar os familiares da vítima, mas o seu advogado foi contra, temendo que pudesse prejudicar a sua situação jurídica. “Ninguém ensina você a conviver com o fato de ter matado alguém”, diz ele. Admite que em datas especiais como o Natal ou os aniversários, quando as reuniões familiares são comuns, sente-se pior do que o habitual, sabendo que a família do homem que matou nunca poderá celebrar esses momentos da mesma forma.

A justiça restaurativa não consiste em pedir perdão, mas sim em encorajar a “escuta e a responsabilidade”, sublinha a associação. Argumentam que perdoar muito rapidamente pode levar ao “distanciamento da própria dor” e que é necessário “respeitar o tempo de cada pessoa”. Neste sentido, pensam que este modelo, baseado na “compreensão mútua”, pode “transformar vidas”.

O nascimento deste tipo de justiça remonta a séculos, através de círculos de diálogo e mediação de comunidades indígenas locais na América Latina, de comunidades Maori na Nova Zelândia e de sociedades africanas. No entanto, só foi incluído como modelo no sistema prisional moderno em 1974, quando um dos primeiros programas restaurativos foi implementado em Ontário, Canadá. Desde então, a sua aplicação espalhou-se por vários países, especialmente no domínio da justiça juvenil, bem como em julgamentos públicos.

Outro dos principais temas abordados no documentário é a falta de conscientização e gravidade das infrações de trânsito, tema recorrente entre alguns motoristas. Na verdade, a Associação enfatizou que muitas mortes no trânsito são resultado de comportamentos “imprudentes, irresponsáveis ​​e imprudentes” e que uma parcela significativa delas “poderia ter sido evitada”.

Segundo o Ministério da Administração Interna, só em 2025 morreram 1.031 pessoas em acidentes rodoviários. Francesc Torralba, diretor do Departamento de Ética Aplicada da URL, insiste em “não simplificar demais a questão” e reconhecer que os acidentes rodoviários podem “acontecer a todos nós”, embora às vezes continuemos a percebê-los como “algo estranho”.