novembro 16, 2025
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A Procuradoria de Milão já tenta saber mais sobre o ocorrido. safáris humanos em Sarajevo, acusado em Itália por um escritor e dois advogados de prestígio com experiência em casos muito difíceis: suspeita-se que houve italianos que, durante a Guerra da Bósnia nos anos noventa, pagaram para viajar para Sarajevo e puderam atirar em pessoas como franco-atiradores nos fins de semana a partir das colinas controladas pelas milícias sérvias da Bósnia.

“Apresentamos documentação repleta de provas que merecem uma investigação mais aprofundada, que oferecemos ao judiciário. Estamos firmemente convencidos de que podem levar à identificação de pelo menos alguns dos responsáveis ​​por estes crimes terríveis”, admite a advogada Nicola Brigida em conversa telefônica com o EL PAÍS. Ele espera que em algum momento seja identificado o nome do investigado, o que agilizará a investigação.

Esta quarta-feira, surgiram detalhes de uma das principais fontes citadas na denúncia, bem como quem será uma das principais testemunhas que deverá depor. É um antigo agente dos serviços secretos bósnios que afirma que em 1993 informaram a inteligência italiana, então conhecida como SISMI, sobre a existência destas viagens organizadas.

“Eles nos responderam depois de dois ou três meses: “Descobrimos que o safari sai de Trieste. Interrompemo-lo e não haverá mais safaris”, afirma o ex-agente no seu depoimento, noticiou a imprensa italiana. A rota destes “turistas militares” partiu de avião da cidade italiana fronteiriça com a Eslovénia em direcção a Belgrado.

Eles não sabiam mais nada sobre isso. “Não recebemos nomes de caçadores ou organizadores do SISMI, deve haver um documento do SISMI que certifique isso”, afirma esta fonte. Ou seja, informações discretas sobre isso poderiam ser armazenadas nos arquivos do Estado italiano. Surge a questão mais importante: porque é que então não foram tomadas medidas contra estas pessoas? Nomeadamente, um dos pedidos ao Ministério Público é verificar se existe cópia desta documentação em Itália.

Brigida, que preferiu não divulgar detalhes do caso e deixou os investigadores livres para trabalhar, é uma das advogadas que preparou o relatório, apresentado ao Ministério Público em julho, mas tornado público esta semana. Fez isso com o ex-juiz Guido Salvini, utilizando material coletado pelo jornalista e escritor Ezio Gavazzeni, que investigava o assunto há anos e depois recorreu a ele em busca de conselhos.

Brigida esteve envolvida nos julgamentos de italianos desaparecidos na Argentina e no Chile (os julgamentos do almirante Massera e dos generais Suarez Mason e Rivera da junta militar argentina; o julgamento de Oscar Alfonso Podlech Michaud, um alto funcionário da ditadura de Pinochet no Chile; e vítimas da Operação Condor, entre outros), bem como em alguns ataques graves durante os anos de liderança na Itália, como o ataque à estação de Bolonha em 1980. Outro advogado, Guido Salvini, é um antigo juiz de prestígio, agora na profissão jurídica, que no passado investigou conspirações muito obscuras, como o terrorismo neofascista italiano ou a rede militar secreta Gladio.

Brigida alerta que os casos que abordou ao longo da carreira dificultam surpreendê-la: “A história me surpreendeu até certo ponto: depois de lidar com coisas como voos mortais, nada mais me surpreende”. Ele ressalta que se trata de um “grupo de criminosos” com um perfil comum: “Pessoas más, talvez também com motivação ideológica, apaixonado por armas, planejando atirar em campos de tiro.”

Dois advogados juntaram-se à difícil batalha pela verdade, que começou com a apresentação aos procuradores de um documento de 17 páginas que delineava uma série de provas, depoimentos e possíveis testemunhas a interrogar. Fios que agora podem ser puxados pelo promotor Alessandro Gobbis, que lidera o caso.

“Obviamente, a nossa carta foi considerada justificada e séria, digna de verificação e investigação. O Ministério Público abriu uma investigação, que foi confiada ao departamento antiterrorismo ROS (Raggruppamento Operativo Speciale, unidade dos Carabinieri especializada em terrorismo)”, explica o advogado.

“Ele era mundialmente famoso”, diz o escritor.

A notícia causou alvoroço em Itália, mas o escritor e activista italiano Adriano Sofri, que esteve em Sarajevo durante esses anos e enviou crónicas aos jornais italianos, publicou esta quarta-feira um artigo no qual declarava que o fenómeno era “universalmente conhecido”. Além disso, diz que os participantes deste evento macabro foram “entusiasmados e numerosos”. Em seu artigo, ele reproduziu frases de seus textos da época em que fala sobre isso, por exemplo, de 17 de maio de 1995: “Em Grbavica, onde os atiradores Chetniks (milícia sérvia ultranacionalista) e o envolvimento internacional não está escondido, na verdade são expostos na televisão Karadzic, mesmo quando os alvos são crianças (alvo menor, maior conquista para o atirador), há também um grupo grego e o caso notável de um voluntário japonês.” Sofri diz que este último explicou à televisão sérvia-bósnia que foi filmar em Sarajevo “por decepção amorosa”. O tiroteio foi executado pelo ultranacionalista sérvio Vojislav Sesail, que abateu um transeunte diante das câmeras.

O Ministério Público italiano, como salienta Brigida, também adquire registos de vários processos do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia sobre crimes da ex-Jugoslávia nas últimas décadas. Em alguns dos depoimentos mencionam esses “turistas de guerra”. A ex-prefeita de Sarajevo entre 2021 e 2024, Benjamina Karic, também enviou uma comunicação oficial ao tribunal de Milão com as informações de que tem conhecimento.

O caso não prescreveu, explica Brigida, porque por se tratar de um crime gravíssimo, punível com prisão perpétua, que é prescrito na Itália, nunca prescreve. “O Código Penal prevê que embora a última fase destes crimes tenha sido cometida noutro país, a jurisdição do sistema judicial italiano mantém-se e pode ser processada em Itália. Caso contrário, será garantida a impunidade do cidadão que viaja para o estrangeiro, comete crimes hediondos e depois se refugia em Itália”, argumenta.