A obesidade começa no cérebro e hoje sabemos que o seu desenvolvimento e tratamento não são iguais em homens e mulheres. Esta pandemia silenciosa, que se desenvolve juntamente com a diabetes tipo 2 como uma das suas principais complicações, já afetou mais de mil pessoas. … milhões de pessoas.
À medida que o ambiente se torna mais obesogénico, o cérebro continua a funcionar sob regras antigas que dificultam a manutenção da perda de peso, mesmo com medicamentos revolucionários como a semaglutida (Ozempic). Esta mudança de pensamento altera os tratamentos existentes e abre a porta para novos tratamentos que visam diretamente o cérebro.
A obesidade e o excesso de peso são frequentemente descritos como excesso de gordura ou problemas metabólicos, mas a sua causa subjacente reside no sistema nervoso central, especialmente no hipotálamo, uma região que actua como um “termostato energético”. Durante 95% da nossa história evolutiva, vivemos em condições de escassez.: Caminhar, caçar e coletar eram necessários, e o cérebro desenvolveu mecanismos muito eficazes para proteger a massa gorda, porque perdê-la poderia significar não conseguir sobreviver.
Esse “cérebro ancestral” hoje opera em um ambiente completamente oposto: alimentos altamente calóricos disponíveis 24 horas por dia, estilo de vida sedentário, estresse crônico, distúrbios do sono e dietas ultraprocessadas. O resultado é um descompasso entre a nossa biologia e o nosso estilo de vida, que é agravado em pessoas com predisposição genética. A isto acrescenta-se algo que a investigação começa a explorar claramente: o sistema que regula o peso funciona de forma diferente em homens e mulheres.
Hipotálamo: onde começa a obesidade
O hipotálamo integra sinais hormonais (como leptina ou insulina), metabólicos e sensoriais para equilibrar a entrada e a saída de energia. Quando perdemos peso, o cérebro interpreta a situação como uma ameaça e ativa poderosos mecanismos de defesa: aumenta o apetite, reduz o gasto energético e melhora a “memória metabólica ou de obesidade”, o que nos impulsiona a recuperar o peso anterior.
Portanto, emboraDieta e exercícios são essenciais para a saúde e devem ser sempre a primeira intervenção, pois para muitas pessoas não são suficientes para reverter a obesidade quando os circuitos cerebrais já estão alterados. Esta tese não nega os benefícios do estilo de vida: simplesmente reconhece que, em certos casos, o cérebro necessita de apoio farmacológico para sair do ciclo da obesidade.
Quando o hipotálamo fica inflamado – devido ao estresse, uma dieta rica em calorias, falta de sono, alterações hormonais ou predisposição genética – a atividade dos neurônios que regulam a fome e a saciedade muda. Algumas pessoas conseguem retornar espontaneamente ao peso original após a superalimentação; Outros, entretanto, apresentam um “freio hipotalâmico” menos eficaz e ganham peso com mais facilidade. A diferença está no cérebro.
Perspectiva de gênero: dois cérebros, duas respostas
Os neurônios hipotalâmicos AgRP (promotores da fome) e POMC (promotores da saciedade) regulam com precisão o comportamento alimentar. No entanto, o hipotálamo não é apenas um conjunto de neurônios: também inclui a microglia – células imunológicas do cérebro, cujo papel, como se viu, é decisivo. Em nosso grupo, descrevemos três fases de ativação microglial nos estágios iniciais da compulsão alimentar:
Ativação precoce, rápida e reversível.
Uma fase inflamatória prolongada que altera os padrões de saciedade.
A fase final da desregulamentação, em que falham os mecanismos que deveriam limitar o ganho de peso.
Essas fases se comportam de maneira diferente em homens e mulheres. Em modelos de roedores, as fêmeas exibem uma resposta neuroimune mais robusta e protetora, o que pode explicar por que mais tarde desenvolvem obesidade. Esse padrão é uma reminiscência do que é observado em mulheres na pré-menopausa. Antes da menopausa, as mulheres apresentam menor risco de doenças metabólicas e cardiovasculares do que os homens devido ao efeito protetor do estrogênio. Mas a proteção diminui durante a perimenopausa e a menopausa, um período ainda pouco estudado e crítico para o risco cardiometabólico.
Além disso, em modelos animais e culturas de células, encontrámos alterações muito precoces – na micróglia, nos sinais lipídicos, como os endocanabinóides, e na sensibilidade neuronal à insulina – mesmo antes do aparecimento de alterações visíveis nos tecidos periféricos. Isto sugere que o gatilho inicial para a obesidade é cerebral. Integrar uma perspectiva de género é essencial para avançar em direcção a um tratamento mais preciso e eficaz.
Novos tratamentos para obesidade: incretinas e nanomedicina direcionada ao cérebro
O tratamento da obesidade mudou drasticamente desde 2021 graças aos agonistas do receptor GLP-1. A semaglutida e outros medicamentos da família das incretinas, originalmente desenvolvidos para tratar diabetes tipo 2, demonstraram notáveis capacidades de perda de peso através de ação periférica e central. No entanto, apresentam limitações conhecidas: efeitos no trato gastrointestinal, perda muscular, recuperação de peso após interrupção ou respostas variáveis dependendo do perfil biológico do paciente.
Estudos recentes também mostram diferenças por sexo, com as mulheres na pré-menopausa geralmente respondendo melhor a estes tratamentos do que os homens.
Isto cria um problema: precisamos de tratamentos direcionados diretamente ao cérebro, com maior precisão e menos efeitos sistêmicos. É aqui que a nanomedicina direcionada ao cérebro inova. Em nosso grupo, desenvolvemos nanoplataformas (micelas poliméricas, nanopartículas proteicas ou medicamentos intranasais) capazes de transportar seletivamente medicamentos para o cérebro. Essas tecnologias permitem encapsular moléculas que seriam ineficazes ou tóxicas se administradas sem proteção e direcioná-las para células que controlam o apetite e a homeostase energética.
Estas abordagens podem complementar ou aumentar os efeitos das incretinas, reduzir os efeitos secundários, melhorar a adesão ao tratamento e aumentar o número de pacientes que respondem ao tratamento. Representam uma forma de tratar a obesidade de origem cerebral com intervenções mais personalizadas e sustentáveis.
Um novo olhar para um velho problema
A obesidade não é falta de força de vontade, pois é estigmatizada a nível social, nem é um problema individual. É uma doença complexa com raízes profundas no cérebro, que está adaptado para sobreviver em condições de deficiência. A resolução deste problema requer uma abordagem dupla: promover um estilo de vida saudável e, se necessário, utilizar tratamentos que visem os circuitos cerebrais que regulam o peso.
Compreender como funciona o hipotálamo – e porque é que fica descontrolado – será fundamental para acabar com a pandemia silenciosa do século XXI. E é aí, no cérebro, que se trava a batalha científica mais promissora.
O artigo foi publicado na revista “Conversation”.