dezembro 17, 2025
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A obesidade começa no cérebro e hoje sabemos que o seu desenvolvimento e tratamento não são iguais em homens e mulheres. Esta pandemia silenciosa, que se desenvolve juntamente com a diabetes tipo 2 como uma das suas principais complicações, já afetou mais de mil pessoas. milhões de pessoas.

À medida que o ambiente se torna mais obesogénico, o cérebro continua a funcionar sob regras antigas que dificultam a manutenção da perda de peso, mesmo com medicamentos revolucionários como a semaglutida (Ozempic). Esta mudança de pensamento altera os tratamentos existentes e abre a porta para novos tratamentos que visam diretamente o cérebro.

A obesidade e o excesso de peso são frequentemente descritos como excesso de gordura ou problemas metabólicos, mas a sua causa subjacente reside no sistema nervoso central, especialmente no hipotálamo, uma região que actua como um “termostato energético”. Durante 95% da nossa história evolutiva, vivemos em condições de escassez.: Caminhar, caçar e coletar eram necessários, e o cérebro desenvolveu mecanismos muito eficazes para proteger a massa gorda, porque perdê-la poderia significar não conseguir sobreviver.

Esse “cérebro ancestral” hoje opera em um ambiente completamente oposto: alimentos altamente calóricos disponíveis 24 horas por dia, estilo de vida sedentário, estresse crônico, distúrbios do sono e dietas ultraprocessadas. O resultado é um descompasso entre a nossa biologia e o nosso estilo de vida, que é agravado em pessoas com predisposição genética. A isto acrescenta-se algo que a investigação começa a explorar claramente: o sistema que regula o peso funciona de forma diferente em homens e mulheres.

Hipotálamo: onde começa a obesidade

O hipotálamo integra sinais hormonais (como leptina ou insulina), metabólicos e sensoriais para equilibrar a entrada e a saída de energia. Quando perdemos peso, o cérebro interpreta a situação como uma ameaça e ativa poderosos mecanismos de defesa: aumenta o apetite, reduz o gasto energético e melhora a “memória metabólica ou de obesidade”, o que nos impulsiona a recuperar o peso anterior.

Portanto, emboraDieta e exercícios são essenciais para a saúde e devem ser sempre a primeira intervenção, pois para muitas pessoas não são suficientes para reverter a obesidade quando os circuitos cerebrais já estão alterados. Esta tese não nega os benefícios do estilo de vida: simplesmente reconhece que, em certos casos, o cérebro necessita de apoio farmacológico para sair do ciclo da obesidade.

Quando o hipotálamo fica inflamado – devido ao estresse, uma dieta rica em calorias, falta de sono, alterações hormonais ou predisposição genética – a atividade dos neurônios que regulam a fome e a saciedade muda. Algumas pessoas conseguem retornar espontaneamente ao peso original após a superalimentação; Outros, entretanto, apresentam um “freio hipotalâmico” menos eficaz e ganham peso com mais facilidade. A diferença está no cérebro.

Perspectiva de gênero: dois cérebros, duas respostas

Os neurônios hipotalâmicos AgRP (promotores da fome) e POMC (promotores da saciedade) regulam com precisão o comportamento alimentar. No entanto, o hipotálamo não é apenas um conjunto de neurônios: também inclui a microglia – células imunológicas do cérebro, cujo papel, como se viu, é decisivo. Em nosso grupo, descrevemos três fases de ativação microglial nos estágios iniciais da compulsão alimentar:

Ativação precoce, rápida e reversível.

Uma fase inflamatória prolongada que altera os padrões de saciedade.

A fase final da desregulamentação, em que falham os mecanismos que deveriam limitar o ganho de peso.

Essas fases se comportam de maneira diferente em homens e mulheres. Em modelos de roedores, as fêmeas exibem uma resposta neuroimune mais robusta e protetora, o que pode explicar por que mais tarde desenvolvem obesidade. Esse padrão é uma reminiscência do que é observado em mulheres na pré-menopausa. Antes da menopausa, as mulheres apresentam menor risco de doenças metabólicas e cardiovasculares do que os homens devido ao efeito protetor do estrogênio. Mas a proteção diminui durante a perimenopausa e a menopausa, um período ainda pouco estudado e crítico para o risco cardiometabólico.

Além disso, em modelos animais e culturas de células, encontrámos alterações muito precoces – na micróglia, nos sinais lipídicos, como os endocanabinóides, e na sensibilidade neuronal à insulina – mesmo antes do aparecimento de alterações visíveis nos tecidos periféricos. Isto sugere que o gatilho inicial para a obesidade é cerebral. Integrar uma perspectiva de género é essencial para avançar em direcção a um tratamento mais preciso e eficaz.

Novos tratamentos para obesidade: incretinas e nanomedicina direcionada ao cérebro

O tratamento da obesidade mudou drasticamente desde 2021 graças aos agonistas do receptor GLP-1. A semaglutida e outros medicamentos da família das incretinas, originalmente desenvolvidos para tratar diabetes tipo 2, demonstraram notáveis ​​capacidades de perda de peso através de ação periférica e central. No entanto, apresentam limitações conhecidas: efeitos no trato gastrointestinal, perda muscular, recuperação de peso após interrupção ou respostas variáveis ​​dependendo do perfil biológico do paciente.

Estudos recentes também mostram diferenças por sexo, com as mulheres na pré-menopausa geralmente respondendo melhor a estes tratamentos do que os homens.

Isto cria um problema: precisamos de tratamentos direcionados diretamente ao cérebro, com maior precisão e menos efeitos sistêmicos. É aqui que a nanomedicina direcionada ao cérebro inova. Em nosso grupo, desenvolvemos nanoplataformas (micelas poliméricas, nanopartículas proteicas ou medicamentos intranasais) capazes de transportar seletivamente medicamentos para o cérebro. Essas tecnologias permitem encapsular moléculas que seriam ineficazes ou tóxicas se administradas sem proteção e direcioná-las para células que controlam o apetite e a homeostase energética.

Estas abordagens podem complementar ou aumentar os efeitos das incretinas, reduzir os efeitos secundários, melhorar a adesão ao tratamento e aumentar o número de pacientes que respondem ao tratamento. Representam uma forma de tratar a obesidade de origem cerebral com intervenções mais personalizadas e sustentáveis.

Um novo olhar para um velho problema

A obesidade não é falta de força de vontade, pois é estigmatizada a nível social, nem é um problema individual. É uma doença complexa com raízes profundas no cérebro, que está adaptado para sobreviver em condições de deficiência. A resolução deste problema requer uma abordagem dupla: promover um estilo de vida saudável e, se necessário, utilizar tratamentos que visem os circuitos cerebrais que regulam o peso.

Compreender como funciona o hipotálamo – e porque é que fica descontrolado – será fundamental para acabar com a pandemia silenciosa do século XXI. E é aí, no cérebro, que se trava a batalha científica mais promissora.

O artigo foi publicado na revista “Conversation”.

Referência