São duas Copas do Mundo. O produto, comercializado e monetizado por tudo o que oferece e pela experiência.
Apenas um deles é o verdadeiro. E em um caso isso se sustenta. Em Seattle, o comitê organizador local declarou há muito tempo que o jogo de 26 de junho, agendado para o Lumen Field, seria o “Pride Match” em comemoração ao fim de semana do orgulho LGBTQ+ da cidade.
Numa reviravolta surpreendente, o sorteio do Campeonato do Mundo atribuiu posteriormente o Egipto e o Irão a esse jogo, países onde a comunidade gay é perseguida e onde, no caso do Irão, a homossexualidade é até punível com a morte. As duas nações protestaram. Numa carta à FIFA, o Egipto referiu-se a um estatuto que “enfatiza a neutralidade em questões políticas e sociais durante as competições da FIFA” – uma referência ousada poucos dias depois de o presidente dos EUA, Donald Trump, ter recebido o primeiro Prémio da Paz da FIFA por razões puramente políticas.
O comité organizador local disse essencialmente às federações egípcia e iraniana para se perderem. Haverá eventos do Orgulho. Haverá bandeiras arco-íris dentro e fora do estádio. A FIFA pode ter se encurralado ao proibir as braçadeiras de capitão arco-íris no Catar em 2022 devido aos costumes locais. Bem, o costume local no noroeste do Pacífico é a tolerância.
Bom. A Copa do Mundo está no seu melhor quando parece menos um megaevento transportado para um novo continente a cada quatro anos e mais um modelo que os anfitriões podem adaptar como acharem adequado. É o sabor local e a excelência em campo que vieram para ficar.
Já estive em três Copas do Mundo. O que me lembro de 2010 na África do Sul são as pessoas que, sem exceção, ficaram muito felizes por vocês terem vindo até os confins do mundo para compartilhar este evento com elas. Lembro-me de brincar com alguns filhotes de leão nos arredores da Cidade do Cabo. Apenas com idade suficiente, garantiu-me seu treinador, para lidar com meus germes humanos, mas não tão velho a ponto de me despedaçarem até a morte. Ainda tenho o suéter com os fios puxados onde um filhote pulou nas minhas costas e segurou com as unhas enquanto praticava o salto. Lembro-me também de ter conversado com os desiludidos vendedores ambulantes de Joanesburgo, que gastaram todas as suas poupanças em bandeiras, lenços e vuvuzelas, apenas para descobrirem que a FIFA não os permitia perto dos estádios.
Só me lembro de parte do futebol. O gol salvador de campanha de Landon Donovan para os EUA contra a Argélia, e o colega da cabine de imprensa à minha esquerda deu um soco no ar com uma espécie de soco tão sem direção que deixou o homem seguinte com o estômago vermelho. Ver meu país natal em uma final de Copa do Mundo insuportável, mas ter que manter minha cabeça profissional tranquila com meu chefe sentado ao meu lado. Robin van Persie de alguma forma reclamou comigo na zona mista que o árbitro – que absolutamente deveria ter expulsado Nigel de Jong do campo por chutar Xabi Alonso no peito, mas não o fez – foi injusto com os holandeses.
Em 2014, funcionários de hotéis brasileiros reprimiam o riso toda vez que eu agradecia no tempo feminino – “obrigada” quando eu deveria ter dito isso “obrigado”já que sou homem, embora estivesse me dirigindo a uma mulher. Luis Suárez sozinho – ou sozinho? – a derrubada da Inglaterra em São Paulo. Van Persie, Arjen Robben e Wesley Sneijder arrastam os holandeses para as semifinais. Tim Howard mantém mais ou menos sozinho os belgas afastados.
No Catar, lembro-me do cara alegre que preparava para mim wraps de frango frito apimentados a qualquer hora da noite na lanchonete da esquina do meu apartamento. O nome de Cristiano Ronaldo ecoa no novo sistema de metro de Doha, respeitado pelos adeptos portugueses. Scrums argentinos frenéticos, pulando, tocando bateria e cantando”Muchachos”. Também me lembro da festa vazia dos torcedores na Copa do Mundo de Potemkin, que proporcionou um ótimo futebol, mas nunca teve a atmosfera de festa que você esperaria, errando o alvo com artistas contratados fazendo suas melhores imitações de Elvis fora dos estádios.
A Copa do Mundo não é pompa e circunstância. Não é o sorteio repleto de estrelas espetacular. Não os preços, surgidos do nada. Não se trata nem de premiar o item em si no final do torneio; um momento propício para uma postura geopolítica.
A Copa do Mundo está nas interações humanas em campo, nas séries de festas antes e depois das partidas e nos momentos cruciais em campo. Apesar da FIFA, continua a ser uma das maiores celebrações da humanidade.
A edição de 2026 será certamente a Copa do Mundo mais inacessível e exclusiva de todos os tempos, mas ainda há espaço para redenção. Rejeitando tentativas de apagar eventos adjacentes, como uma celebração do Orgulho. Simplesmente deixando que os anfitriões – e as pessoas que povoam estas cidades – sejam quem são.
Se quisermos que esta Copa do Mundo tenha sucesso e faça jus ao seu imponente precedente, será porque os jogadores dão um show apesar do cansaço, do calor, das viagens e de tudo o que o jogo moderno exige deles. Porque os fãs podem entrar no país para começar e depois ter a liberdade de apenas se divertir. E porque as pessoas que organizam este torneio são deixadas sozinhas para fazê-lo nos seus próprios termos.
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O livro de Leander Schaerlaeckens sobre a seleção nacional de futebol dos Estados Unidos, The Long Game, será publicado na primavera de 2026. Você pode encomendá-lo aqui. Ele leciona na Universidade Marista.