No Afeganistão, passados mais de quatro anos desde que as escolas foram fechadas às raparigas acima do sexto ano, está a desenrolar-se uma das mais profundas tragédias silenciosas do nosso tempo. Não é preciso ver violência aberta para compreender os danos: basta ouvir a voz quebrada de uma jovem que, como milhões de outras, viu a sua educação ser interrompida sem explicação, sem alternativa, sem esperança imediata de regresso. Esta jovem Farkhunda, mas poderia ter sido qualquer garota afegã. Sua história não é excepcional; Esta é definitivamente a norma. E é aqui que reside o escândalo.
Farkhunda diz que todas as manhãs sua mão ainda alcança sua mochila escolarcomo um reflexo da vida que lhe foi tirada. A imagem é devastadora: um estudante que não consegue mais ser, um adolescente com sonhos intactos, mas caminhos fechados. O seu testemunho, íntimo e comovente, revela mais do que apenas uma experiência pessoal; mostra o impacto emocional e social das políticas que pretende exterminar uma geração inteira de mulheres da face da terra espaço educativo e, portanto, público.
O dia em que as escolas fecharam para eles, Farkhunda chegou ao exame final, sem perceber que seria o último. Ela descreve um clima cheio de incertezas: colegas chorando nos corredores, a professora abraçando-os, despedidas precipitadas, a sensação de que algo irreparável está acontecendo na frente de todos. Esse é o tipo de dor que não deixa cicatrizes visíveis, mas permanece para sempre.
A proibição não só os privou dos estudos; Isso destruiu sua visão do futuro. Como aceitar que o sonho de ser médico, professor ou engenheiro é hoje um crime implícito? Como podemos aceitar o facto de que a educação, o recurso mais básico para alcançar uma vida digna, se tornou um privilégio proibido? Farkhunda diz isso com uma clareza chocante: “Quando vejo meninas de outros países avançando, fico com o coração partido. Não por inveja, mas por tristeza porque ser uma menina aqui e querer estudar é quase um crime.”
Num mundo onde o acesso à educação é debatido em termos de qualidade, digitalização e equidade, O Afeganistão vive uma realidade absurda: a luta pelo direito básico de entrar na sala de aula. Enfrentamos um paradoxo moral: à medida que o planeta avança em direcção à inteligência artificial, ao aumento do conhecimento e às novas fronteiras científicas, milhões de raparigas afegãs lutam para fazer algo tão básico como abrir um livro num local seguro.
A comunidade internacional, incluindo a ONU, organizações de direitos humanos e especialistas em educação, condenou repetidamente esta situação. A Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) alertou recentemente que as “salas de aula vazias” são uma lembrança de um futuro amputado. Contudo, afirmações, declarações e condenações não alteraram a realidade concreta: As portas permanecem fechadas, o silêncio continua e o período “até novo aviso” do regime talibã estende-se dolorosa e indefinidamente.
Os efeitos destas políticas são profundos e duradouros. Como observa o activista Forouzan Khalili, a exclusão da educação não é simplesmente a negação de uma classe ou disciplina; É um ataque à autonomia, ao pensamento crítico, à capacidade das mulheres de participarem na vida social, económica e política. Algumas organizações chegaram ao ponto de descrever esta situação como uma forma de “limpeza cultural”, não porque esteja a ocorrer destruição física, mas porque a própria possibilidade de uma geração crescer com as ferramentas intelectuais e sociais para transformar a sua sociedade está a desaparecer.
Os efeitos destas políticas são profundos e duradouros.
A educação das mulheres não é um luxo progressista nem uma moda internacional; Esta é a base de qualquer desenvolvimento sustentável. Em todo o mundo, onde as mulheres puderam estudar, as taxas de mortalidade diminuíram, os rendimentos familiares aumentaram, a estabilidade social aumentou e os ciclos de pobreza foram significativamente reduzidos. Não é preciso ir muito longe para ver isto: basta observar como as comunidades vizinhas onde as mulheres têm acesso à escola apresentam taxas de desenvolvimento muito mais elevadas.
O fechamento de escolas não prejudica apenas as meninas; Isso prejudica todo o país. O Afeganistão sem mulheres formadas é o Afeganistão sem médicos, sem professores, sem jornalistas, sem cientistas. Este é um país condenado a depender de outros para as necessidades básicas. Este é um país que, voluntariamente ou não, doa metade do seu talento humano.
Apesar desta perspectiva devastadora, a resiliência das raparigas afegãs é notável. Farkhunda diz que muitos de seus amigos estudam secretamente, Eles compartilham livros digitais, ensinam suas irmãzinhas. Ela mesma revisa seus livros antigos no telhado, não para um exame, mas para não esquecer quem ela é. Esta frase deveria ressoar na consciência mundial: “Aprenda para não esquecer quem você é”.
Há uma verdade poderosa nesta afirmação:A educação não é apenas acumulação de conhecimento, mas também afirmação de identidade e dignidade. É assim que uma pessoa diz: “Eu existo, acho que sou digno, posso construir o meu futuro”. Tirar isso de uma garota não é apenas um ato de opressão; Esta é uma tentativa de redefini-la como um ser sem livre arbítrio, sem autonomia, sem voz.
É importante compreender que o que está a acontecer no Afeganistão não é um problema local ou cultural; Esta é uma crise de direitos humanos e de justiça global. Deve ser analisado não do ponto de vista do relativismo, mas do ponto de vista dos princípios universais. O direito à educação é inegociável e não depende de interpretações ideológicas. Este é um direito fundamental reconhecido pelas convenções internacionais das quais o Afeganistão foi signatário antes da queda do governo anterior.
No entanto, o mundo parece ter se acostumado com isso. A indignação inicial diminuiu e a proibição tornou-se quase notícia velha. Mas para Farkhunda, e para milhões de meninas como ela, a tragédia se renova todas as manhãs quando ela passa pela escola fechada.
Seu depoimento termina com uma frase tão simples quanto poderosa: “Talvez não hoje, talvez não amanhã… mas chegará o dia em que todas as meninas retornarão às aulas com livros e esperança. Ou talvez nunca”.
Este “talvez nunca” deveria ser intolerável para qualquer sociedade. que luta pela justiça. Não podemos permitir que o destino educativo de uma geração seja decidido entre a obediência e o esquecimento. A responsabilidade moral e política cabe tanto aos líderes afegãos como à comunidade internacional. Afirmações simbólicas não são suficientes; São necessárias uma acção diplomática mais forte, estratégias humanitárias especificamente direccionadas para a educação e uma pressão coordenada para evitar que o direito de aprender se torne uma moeda de troca.
As meninas afegãs não pedem privilégios especiais. Pedem o que cada pessoa merece: a oportunidade de aprender, de sonhar, de construir um futuro. Este não é um ato heróico; Este é o ato principal. É hora do mundo tratá-lo como tal.