novembro 25, 2025
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No final do primeiro milénio d.C., ventos de inovação varreram a Ásia Central, o Médio Oriente e a Europa. Na encruzilhada de desertos, oásis e planícies férteis, artesãos e visionários procuraram aproveitar uma fonte de energia inesgotável mas caprichosa: o vento. Foi assim que nasceu uma das invenções mais simbólicas e importantes da humanidade: o moinho de eixo vertical.

Mas por trás desta mudança silenciosa está uma história marcada pela competição, uma rivalidade entre culturas e orgulho nacional, uma disputa que opôs engenheiros persas, comunidades rurais asiáticas e, mais tarde, inventores e comerciantes europeus.

Observando a diferença entre escassez e abundância

As primeiras notícias irrefutáveis ​​da existência de moinhos de vento verticais vêm do leste, das remotas províncias persas do Sistão e do leste do Irão, onde o vento era ao mesmo tempo uma bênção e um castigo. Ali, entre os séculos VII e IX, os moradores desenvolveram dispositivos para bombear água e moer grãos, aproveitando os fortes e constantes ventos locais.

O desenho era tão simples quanto engenhoso: grandes eixos verticais em torno dos quais eram montadas uma série de pás orientadas ao vento, protegidas por paredes ou telas para direcionar o fluxo. Este princípio, baseado no chamado “panemone”, revelou-se eficaz: as pás giravam independentemente da direção que soprava o vento, característica importante em regiões onde as mudanças de orientação complicavam outras soluções técnicas.

Viajantes árabes como al-Masudi no século X ficaram fascinados por este espetáculo de madeira e tecido. Suas crônicas contam como os moinhos, dia e noite, com um zumbido monótono, tiravam água dos poços ou trituravam o trigo.

Na Pérsia, a invenção do moinho vertical não foi apenas um feito técnico, mas também um símbolo de domínio sobre a terra e o clima. Mas a fama destes dispositivos não ficou muito tempo limitada ao seu local de origem: mercadores, viajantes e, sobretudo, rotas de conquista e expansão islâmica espalharam-nos pelo Egipto, pela Índia e pelo resto do mundo islâmico, chegando até à China durante a Dinastia Yuan.

Inovação com assinatura europeia

Porém, no grande teatro da história, ninguém quer negar os méritos das grandes descobertas. No caso dos moinhos verticais, a rivalidade surgiu quando esta tecnologia começou a aparecer nos textos europeus. Alguns cientistas europeus argumentaram que a invenção era um desenvolvimento local, decorrente de uma necessidade em regiões ventosas, mas com cursos de água deficientes.

Segundo outra versão, a tecnologia veio com os cruzados, que, após fazerem campanha na Terra Santa nos séculos XI-XIII, voltaram maravilhados com o que viram nas possessões persas e árabes. Ocorreram disputas entre universidades, mosteiros e corporações, cada cultura defendendo sua honra e direito à primazia tecnológica.

Adicionar mais combustível ao fogo foi uma diferença no design: enquanto os moinhos orientais mantinham um eixo vertical e pás protegidas por uma parede, a Europa foi pioneira nos chamados moinhos de pólo com orientação horizontal e um corpo que podia girar para pegar o vento onde fosse mais favorável.

Evidências e documentos são sempre ambíguos. Alguns manuscritos chineses do século XIII mencionam moinhos verticais de origem estrangeira; Os tratados árabes detalham os moinhos que operavam na Pérsia séculos antes mesmo de os europeus sonharem com eles. Entretanto, cada região melhorou as suas funções: captar água, moer cereais, cavar canais ou, mais tarde, até gerar eletricidade.

Quem controla a energia transforma a sociedade

O que estava por trás dessa luta entre autores e culturas? O desejo humano de reconhecimento, bem como a realidade da difusão da tecnologia: a invenção foi adaptada, copiada e melhorada onde quer que aparecesse. Quando a tecnologia chegou ao sul de Espanha e provavelmente foi transportada pelos muçulmanos durante o Al-Andalus, foi modificada de acordo com o ambiente.

Mais tarde, na Península Ibérica e no sul de França, foram adoptadas variantes de eixo horizontal, inspiradas na estrutura e no conhecimento transmitido pelos árabes, enquanto nas Ilhas Britânicas e na Flandres o eixo vertical morreu, dando lugar a corpos rotativos e pás expostas a qualquer vento.

A narrativa da invenção do moinho vertical não pode ser compreendida sem entender o que estava em jogo: o controle da energia necessária para transformar a sociedade. Na Pérsia era um recurso vital para a obtenção de água em regiões áridas; na China – o elemento mais importante para irrigação e moagem; na Europa, um elemento fundamental do desenvolvimento rural, da expansão agrícola e, mais tarde, da revolução agrícola.

Cada civilização trouxe suas próprias conquistas. No leste, a proteção das pás contra tempestades de areia e variabilidade do vento foi melhorada. Na Europa, a necessidade de tirar partido das mudanças do vento levou os moinhos a desenvolver sistemas de controlo e regulação mais complexos que se tornaram os precursores das modernas tecnologias de energias renováveis.

Hoje, as imponentes turbinas verticais dos nossos parques eólicos são herdeiras desta longa linhagem de artesãos anónimos e cientistas rivais. Moinhos centenários ainda existem no coração da Ásia Central e os planos para os primeiros dispositivos continentais são estudados em museus europeus. Os manuais de física revelam a essência da invenção: aproveitar uma força natural e quase invisível e transformá-la para benefício coletivo. A história desta rivalidade tecnológica, uma combinação de paixão, medo e espírito empreendedor, lembra-nos que grandes ideias raramente surgem de um único génio isolado.