dezembro 26, 2025
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A rua Gil Cordero 4, localizada no coração de Cáceres, tornou-se nos últimos dias palco de um conflito que vai além da comunidade de vizinhos. A oposição frontal à criação de um abrigo para menores, gerido por Cerujovi em nome do governo da Extremadura, renovou debates fundamentais sobre a rejeição social das infâncias vulneráveis, o medo alimentado pelo preconceito e o uso da linguagem quando se fala de protecção institucional.

Um lençol pendurado numa das varandas do edifício tornou-se a imagem mais visível do protesto. Dizia: “Maria Guardiola, leve o apartamento para casa sob vigilância. Não queremos ser Belén Cortez. Mesmo ao lado, na mesma varanda, a imagem do Menino Jesus completava uma cena cheia de simbolismo e contradições.

“Não temos preconceitos, qualquer um pode viver aqui, mas não queremos conviver com crianças que cometeram crimes. Assim como fizeram uma coisa, podem fazer outra. O medo é livre”, explicou à comunicação social Elisa Gonzalez, uma das vizinhas que lidera a oposição ao apelo. O principal argumento dos moradores da zona foi a falta de segurança e a ligação deste apartamento com a empresa que administrava o orfanato de Badajoz, onde a professora Belen Cortes foi assassinada em março passado.

A autarquia defende que o governo da Estremadura tem o direito de decidir a localização destes recursos – lembram que foi condenado a pagar 600 mil euros de responsabilidade civil no caso de Badajoz – e que o foral do edifício proíbe expressamente tanto os apartamentos turísticos como os apartamentos vigiados. “Isto é contra a lei e representa um risco à segurança”, defendeu o presidente da comunidade, Alfonso Sánchez-Ocaña, que disse ainda que esta atividade foi ocultada durante as obras de climatização do apartamento.

O medo intensificou-se quando os vizinhos acreditaram que os menores já tinham fixado residência. No entanto, Cerujovi nega categoricamente isso. A empresa afirma que o serviço nunca foi lançado e que face ao ambiente hostil decidiram não continuar a operar neste local. “Não queremos que menores vivam em locais onde são rejeitados”, explica a organização, que condena episódios de “violência verbal”, tentativas de impedir o acesso aos trabalhadores e até comentários sexistas sobre profissionais.

Por fim, o governo da Estremadura confirmou a um dos proprietários do lar que o apartamento de Gil Cordero não prestaria serviços a menores ao seu cuidado e que a empresa procuraria uma localização alternativa, garantindo, segundo o executivo regional, a continuidade dos cuidados. A administração lembra que sua responsabilidade é fornecer recursos para o sistema de defesa, e o aluguel de moradias adequadas depende do sucesso da empresa.

Além do resultado específico, o conflito provocou forte reação dos profissionais da esfera social. Angélica, assistente social especializada em trabalhar com jovens, está “imensamente triste” com o incidente. “Que mal é causado pelo uso de uma linguagem errada e de preconceitos egoístas que estigmatizam as crianças vulneráveis”, diz ele. Lembre-se que os menores estão sob cuidados porque sofreram abandono, abusos, negligência grave ou pobreza extrema, e que a intervenção governamental visa garantir direitos básicos: alimentação, segurança, cuidados de saúde, afeto, educação e apoio emocional. “Não têm de ser criminosos ou violentos”, sublinha, e insiste também na necessidade de diferenciar realidades que muitas vezes se misturam de forma interessante no discurso público. “Meninos e meninas sob cuidados por vulnerabilidade social ou familiar são uma coisa; menores migrantes desacompanhados são outra; e adolescentes que cometeram crimes e cumprem penas de acordo com a legislação penal juvenil são outra”, explica. “Isso confunde tudo e só cria medo e rejeição.”

Cherujovi destaca que o modelo de apartamentos supervisionados visa especificamente a normalização da vida desses menores. No caso de Gil Cordero, estava prevista a participação de um máximo de seis jovens, sempre acompanhados por pelo menos dois adultos, integrados numa equipa composta por onze especialistas – psicólogos, educadores e pessoal especializado. “Está a tornar-se cada vez mais difícil encontrar locais onde este trabalho possa ser feito”, lamentam.

O proprietário do apartamento, Enrique Arias, que mantém uma relação de assessoria profissional com a empresa há 14 anos, diz estar “chocado” com a reação dos vizinhos e com a tensão que surgiu antes mesmo de o recurso começar a funcionar. E a casa passou por uma ampla reforma para adaptá-la às necessidades dos menores.

Para os intervencionistas sociais, a mensagem final é clara: os rapazes e as raparigas não são o problema. “Todos têm direito a uma vida plena e feliz e é a administração que deve garantir isso através de critérios técnicos, e não através dos ditames do medo”, concluem. Alertam que o que aconteceu em Cáceres não é um episódio isolado, mas um sintoma de uma sociedade que ainda olha com desconfiança para os mais necessitados de protecção.

“O que é particularmente doloroso é que, diante de uma onda de medo e preconceito, as agências governamentais permanecem em silêncio em vez de explicar abertamente que conviver com meninos e meninas em um recurso educacional, acompanhados por profissionais, não acarreta qualquer perigo, mas antes oferece uma oportunidade de cuidado e reparação. A gestão não deveria incitar a hostilidade, mas estar ao lado da organização gestora para tornar o prédio um lugar mais amigável, preparado e acolhedor para eles chegarem, em vez de contribuir para esta atmosfera de suspeita que desumaniza ainda mais a infância. O verdadeiro problema não é os menores, mas a instabilidade e a falta de coordenação que, ao longo dos anos, fizeram com que se externalizasse e cerceasse a protecção que a própria administração deveria ter garantido, um modelo que deixou desassistidos profissionais e meninos e meninas, e que é a causa de tragédias como o assassinato da educadora social Belén Cortés, que chocou a Extremadura e destacou as falhas institucionais no cuidado dos próprios filhos”, lamentam.

Por sua vez, o governo da Extremadura especifica que o procedimento “permanece o mesmo das legislaturas anteriores”. Insiste que a empresa vencedora é responsável pelo arrendamento e disponibilização de habitação adequada ao desenvolvimento do serviço, e que a agência regional é obrigada a disponibilizar os recursos necessários para a disponibilização de habitação aos menores, e que, face à situação atual, “a empresa já afirmou que irá avançar para a mudança de habitação devido à pressão dos vizinhos para garantir a proteção continuada dos menores e a continuidade dos cuidados”.

Referência