Ao enfrentar um golpe na vida, como uma perda inesperada, um rompimento ou uma decepção, uma pessoa pode se sentir como um navio à deriva em um mar tempestuoso. Essas situações, que costumam levar ao que a psicóloga Ana Belen Medialdea define como naufrágio … emocionalsão os que ele aborda em seu livro The Light That Is In You (Zenith), uma jornada de reconstrução pessoal repleta de metáforas baseadas em sua própria história após a morte de seu pai; bem como as pessoas que ele acompanha nas consultas.
–Seu trabalho é baseado na história da perda de seu pai…
— Sim, queria compartilhar isso porque escrever me ajudou muito ao longo da minha vida. Sempre quis mostrar a importância da resiliência através do que aconteceu depois de perder meu pai. E quando tive coragem de fazer isso, percebi que esse assunto era um tabu na família.
–Você queria derrubar esse tabu em seu ambiente?
“Tentei dar ao meu pai o lugar que antes não havia dado a ele, mas também queria dissipar os falsos mitos que circulam em torno da terapia estratégica de curto prazo, método com o qual sempre trabalhei.
“Você vai ao psicólogo para aprender a sofrer, não para parar de sofrer”
Ana Belén Medialdea
Psicólogo
–Que mitos sobre esse tipo de terapia estão errados?
“Podemos assumir que esta é uma terapia superficial que permanece superficial. É criticada por focar no sintoma e não abordar a raiz do problema. No entanto, este modelo terapêutico ajudou-me a integrar pessoalmente um acontecimento trágico que mudou para sempre a vida da minha família. E embora esta cicatriz esteja sempre comigo, já não dói. E isto é algo que também pude testar em muitos pacientes que ajudei.
–Mas então não permanece superficial…
– Não, na verdade para mim a profundidade está justamente em integrar algo difícil que aconteceu no passado para que deixe de ter um poder tão grande no presente. Trata-se de deixar o passado no passado para que possamos continuar avançando.
–O que acontece quando você finge que está tudo bem, mesmo se sentindo quebrado por dentro?
— A coisa mais comum que acontece quando ocorrem mudanças difíceis é fingir que está tudo bem com você. É a maneira que o cérebro tem de processar o que está vivenciando e, de certa forma, pedir uma pausa para integrar tudo e poder enfrentá-lo. O problema surge se você permanecer neste estágio porque isso o esgota emocionalmente, causa ansiedade e desperdiça energia tentando fazer tudo. A consequência disso é um risco aumentado de desenvolver depressão.
–Geralmente é difícil pedir ajuda?
— Há uma parte da autoexigência que insiste que você deve ser capaz de fazer tudo e resolver esse problema sozinho. Mas pedir apoio e permitir que outros nos ajudem a suportar este fardo é um ato de amor próprio.
“Falar muito e com frequência sobre a tristeza que você sente não ajuda a digeri-la, mas a perpetua.”
Ana Belén Medialdea
Psicólogo
–O que é o naufrágio emocional e como ele é vivenciado?
“Essa é uma metáfora que uso para descrever aquele momento da vida em que você não sabe para onde ir porque acha que está tudo errado, quando você não tem confiança. E embora a vida seja incerta, você pode vivenciar momentos de estabilidade e calma. Mas se você está vivendo uma crise emocional, você se sente perdido, isolado, frustrado, exausto e solitário, mesmo estando cercado de pessoas.
–Como isso se manifesta fisicamente?
– Além de se sentir apressado, ansioso e de não ter tempo para nada, o rejeitado emocional costuma ter dificuldade para dormir, comer qualquer coisa ou até usar a comida para acalmar as emoções. Eles também tendem a ser muito sensíveis ou instáveis: choram com frequência, ficam com raiva facilmente ou ficam confusos com coisas aparentemente simples.
–Em seu livro, ele explica que não são as emoções que machucam, mas a resistência a elas..
— A verdadeira força reside na capacidade de mostrar vulnerabilidade. Quando uma pessoa resiste a demonstrar emoções é porque não quer que os outros a vejam vulnerável, porque isso a faz sentir-se nua diante dos outros e pensar que perderá o controle de si mesma. E é ainda mais frustrante se você mora em um ambiente que não oferece segurança. Se não quiser sentir, você pode fazer qualquer coisa para evitar se ouvir. E é aí que o pior começa. É como estar no meio do mar, no meio das ondas, e começar a nadar contra a corrente. Mesmo que você nade o máximo que puder, ou mesmo que tenha a melhor técnica do mundo, você apenas perderá energia e dificilmente conseguirá avançar.
— Seu livro não ajuda a acabar com o sofrimento e não substitui a terapia. Como isso orienta?
— Eles vão ao psicólogo para aprender a sofrer, mas para parar de sofrer. Quando você passa por uma situação difícil, você não consegue parar de sofrer. Se a perda de alguém ou de algo é importante para você, você não pode parar de sentir falta daquela pessoa ou de sentir como é. Mas você pode aprender a administrar esse sofrimento para que ele não dite suas ações ou comportamento. Você também pode impedi-lo de assumir o controle de sua vida.
– Como ajudar um ente querido que está sofrendo?
“Quando vemos alguém que amamos sofrendo, ficamos obcecados em acabar com sua miséria, mas não é isso que o ajuda.” Pedir para ele ficar bem, encorajá-lo, tentar fazê-lo pensar em outras coisas ou ir a algum lugar nem sempre ajuda. Precisamos fornecer apoio emocional real, sem assediar, pressionar ou fazer com que eles sintam que precisam fazer mais do que já fazem.
“Pedir apoio e permitir que eles nos ajudem a carregar esse fardo é um ato de amor próprio.”
Ana Belén Medialdea
Psicólogo
— Quando você fala sobre os estágios do luto, você usa metáforas tão poderosas quanto um iceberg…
– Sim, porque a primeira fase é semelhante a um navio colidindo com um iceberg. Às vezes você vê isso chegando, mas não pode evitá-lo, e às vezes você nem percebe. Este é um momento de choque em que o cérebro precisa de espaço para integrar o que está acontecendo.
— Isso significa superar o trauma?
– Não, porque passar por um momento difícil não significa que seja um trauma ou algo que vai nos deixar marcas. Nem tudo de ruim que acontece na vida é trauma. Na verdade, pode haver dois membros da mesma família que vivenciam o mesmo acontecimento trágico de maneiras completamente diferentes.
– Representa as ondas como metáfora da tristeza…
– Sim, porque às vezes sufoca, afoga e arrasta para baixo. Muitos pacientes que buscam aprender a administrar sua tristeza são pessoas que têm muitos pensamentos repetitivos, que tentam evitar a todo custo o que estão sentindo e que tentam fazer de tudo para evitar serem associados a essa tristeza. Mas isto não é uma solução.
-Por que não?
“Porque se você não der a essa tristeza o espaço que lhe cabe no dia a dia, ela pode invadi-la a qualquer momento.” Por isso costumo aconselhar quem está passando pelo luto e está muito triste a dedicar algum tempo do seu dia a dia, no mínimo 20 minutos e no máximo uma hora, para expressar toda essa tristeza no papel, por escrito. E você terá que chorar também. Já existem estudos que mostram que o choro alivia o excesso de estresse, diminui a pressão arterial, reduz a tensão muscular e tem efeito sedativo e antidepressivo.
É bom falar sobre seus sentimentos com outras pessoas?
– Conversar muito com outras pessoas sobre a tristeza não ajuda a processá-la, mas sim a perpetuá-la. Isto pode ser um alívio no início, mas se essa pessoa explicar constantemente o quão triste ou zangada ela está, ela receberá uma resposta dos outros que de alguma forma retribuirá o que ela está tentando obter ao falar sobre isso. Quando isso é dito cinco ou seis vezes, o interlocutor fica incomodado, tenta tranquilizar com impaciência ou expressa mal-entendidos que aumentarão o desconforto do agressor.
– Talvez seja melhor escrever?
— Sim, a escrita terapêutica permite revelar tudo o que você tem dentro de si. E uma vez que você deixe para lá, a chave para ser eficaz é não folhear ou reler o que você escreveu.
—Outra emoção vivenciada durante o luto é a raiva…
— Sim, no livro eu comparo isso a uma tempestade. A raiva é sentida quando algo parece injusto ou quando uma pessoa se sente desvalorizada ou levada em consideração, ou mesmo quando há uma mudança indesejada de planos. Com a raiva podem acontecer duas coisas: ela explode contra os outros ou contra si mesmo. E se no caso da tristeza o principal é superá-la, então com a raiva devemos canalizá-la para que não nos domine e não nos cegue.
—Qual é o papel do medo?
— O medo nos faz querer evitar coisas que nos tiram da nossa zona de conforto e nos obrigam a mudar. Embora alguém possa querer mudanças, na verdade é assustador. De preferência um mal conhecido, porque é isso que a mente conhece, controla e tem em mãos. Mas para transformar o medo em coragem, você precisa encará-lo de frente. Qualquer coisa que você deixe de fazer por medo, mesmo que pareça um alívio, aumenta sua incapacidade de resistir a qualquer coisa. Além disso, em estudos relacionados à terapia estratégica de curto prazo, notou-se que verbalizar os medos muitas vezes não os reduz, mas sim os aumenta. Gosto de citar o psicoterapeuta Giorgio Nardone, que explica que falar constantemente sobre o medo é como fertilizar uma planta para fazê-la crescer mais.
— Quando é hora de despejar o lastro?
“Tem a ver com abandonar a culpa, o ressentimento, o ressentimento e todas aquelas emoções que nos mantêm presos ao que esgota a nossa energia. Às vezes, sentir-se culpado é uma forma de se tratar mal e de não se tratar com a gentileza que é tão necessária em momentos difíceis.
—O momento do farol mencionado em “The Light Within You” é aquela fase de luto em que você começa a ver a luz…
– Sim, e isso se faz sentir através daqueles procedimentos que nos trazem de volta à vida, nos fazem sentir úteis e nos ajudam a cuidar de nós mesmos. Mas o farol também são todas aquelas pessoas que salvam vidas, que nos apoiam sem julgar e que estão próximas incondicionalmente.
— Como parar de se culpar, julgar e criticar?
“Gostaria de ajudar os leitores a compreender a ideia de que quando você faz algo sem intenção de fazer errado, isso te liberta da culpa, porque é um erro, e não há nada mais humano do que um erro.” A primeira vez em qualquer coisa é apenas a primeira vez, e não se trata de fazer tudo perfeitamente, mas de se permitir cometer erros. Errar é tentar. E a vida é assim: tentar de novo e de novo.