Não é um, nem dois, nem três, nem quatro. Todos os dias novas mulheres juntam-se ao rosário de enigmas atormentadores; fatos que machucam porque não são ouvidos, não são ditos, não existem.
Se há algo mais destrutivo que a violência, é … Silêncio subsequente: vergonha imposta, humilhação repetida; uma ordem não escrita, mas rígida, para calar a boca.
Rachaduras desagradáveis e intransponíveis começam a aparecer no PSOE, um partido que fez do feminismo a sua bandeira. Queixas de mulheres alegando que foram sujeitas a violência sexual ou a comportamentos gravemente inapropriados dentro de uma organização onde, em vez de encontrarem abrigo e protecção, foram cercadas por conveniência política. Cale-se. Aperte sua boca. Não mexa. Não perturbe. Não faça barulho. Festa diante das vítimas.
Não estamos a falar apenas de factos, que devem ser explicados com todas as garantias, mas também de cultura: uma cultura do silêncio como disciplina interna. É olhar para o outro lado quando quem denuncia é uma mulher e quem denuncia faz parte de um mecanismo de poder. Isto está a transformar o feminismo num slogan na teoria, mas não na prática; é uma perversão ideológica que explodiu o feminismo por dentro.
Sem perder de vista que estes abusos ainda existem em todas as áreas da sociedade, é especialmente obsceno que ocorra sob uma sigla erigida como um flagelo contra a violência sexista que, com razão, exige um comportamento exemplar dos outros. Mas o padrão ético não pode ser reduzido se o acusado for “um de nós”. O feminismo é um princípio inerente, não um slogan eleitoral ao serviço de homens e mulheres que são silenciados quando a merda mancha os tapetes de casa.
As vítimas que se manifestaram – e talvez aquelas que ainda não ousam – não estão pedindo vingança ou linchamento. Eles pedem para serem ouvidos; que não deveriam ser forçados a reviver a violência sempre que alguém lhes dissesse que “agora não é o momento”, que “há coisas mais importantes para fazer”, que “isto é prejudicial para o partido”. Como se já não estivessem carregando o dano dentro de si. Então, por dentro.
O silêncio não protege as vítimas. O silêncio protege os abusadores e as estruturas que os apoiam. E quando um partido que se autodenomina feminista opta pelo silêncio, deixa de ser parte da solução e passa a ser parte do problema, parte da vergonha, uma clara falta de proteção às vítimas. Esse silêncio estridente, esse duplo padrão, essa hipocrisia nojenta de quem escondeu tudo.
Isso não é feminismo, isso é ideologia. É obsceno. Tudo pelo partido, mesmo que isso signifique proteger, encobrindo os infratores com silêncio cúmplice.
Não foi um ou dois. A questão já não é quantos existem; A questão é quantas reclamações serão necessárias para que o silêncio deixe de ser a norma. Pela liberdade, pela dignidade de todos.