A luz da noite caiu sobre os edifícios da Rua Alcalá quando os primeiros manifestantes começaram a ocupar a estrada. O trânsito havia sido desviado minutos atrás, e o barulho crescente prenunciava um dia frio, mas cheio de cobranças. A lacuna que o Podemos criou … O oitavo mês de 2022 no feminismo espanhol voltou a ficar evidente nesta terça-feira nas ruas de Madrid, onde não falta nem um dos objetivos que geram maior consenso –eliminar a violência contra as mulheres— conseguiram unir seus interesses.
Assim, o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres foi assinalado na terça-feira com duas marchas separadas na capital. Atocha, contra a “violência racista e patriarcal”. Alcalá, com ênfase no “negacionismo de extrema direita” e em “passividade institucional” diante de falhas nos sistemas de proteçãopor exemplo, o mau funcionamento das pulseiras antiabuso. Juntamente com estes dois, foram mobilizadas mais de 40 marchas em vários pontos de Espanha. De Barcelona a Málaga.
Como um relógio suíço, às 18h30. A marcha do Fórum 25N e do Movimento Feminista de Madrid iniciou o seu percurso pela Gran Via até à Plaza España, uma linha recta pavimentada que rapidamente se tornou UM espaço ocupadobandeiras, tambores e vozes cansadas alertam que a violência sexista “ainda existe” apesar de anos de políticas, campanhas e supostos avanços legislativos.
“Continuamos a enterrar mulheres”
Na primeira fila, ao lado das ministras socialistas (Ana Redondo, Pilar Alegria, Elma Saiz e Reyes Maroto), um grupo de idosas segurava nas luvas uma lona roxa. Atrás deles, meninas de vinte e poucos anos agitavam cartazes feitos com canetas hidrográficas. A mistura de gerações mostrou que o protesto não pertence a uma época, mas a um fio que vai de mães a filhas. “Venho dos primeiros 25N que aconteceram aqui em Madrid”” disse Teresa, 68, que veio apoiada em uma bengala. “Achei que quando minhas netas crescessem isso estaria resolvido. E vejam: continuamos a enterrar mulheres.
Em meio a megafones e gritos a plenos pulmões, os organizadores denunciaram a disseminação do “negacionismo de extrema direita”, uma ideia repetida ad nauseam. “Quando negam a violência sexista, não estão negando o conceito. Eles nos negam” disse Carolina, uma funcionária administrativa de 42 anos, enquanto dobrava a esquina da Gran Via com a Clavel. “Cada vez que um político diz que estamos exagerando, há uma mulher que hesita em condenar. E isso também tem consequências.
“Achei que quando minhas netas crescessem isso estaria resolvido. Mas continuamos a enterrar mulheres.”
O protesto avançou lentamente, como um corpo compacto percorrendo a principal artéria de Madrid sob luzes de Natal e fachadas de néon. Foram distribuídas brochuras aos participantes com dados de 2025: 38 mulheres mortas pelos seus parceiros ou ex-parceiros, 289 órfãos menores, dezenas de agressões sexuais sob investigação. Os documentos foram passados de mão em mão como se fossem provas irrefutáveis antes de um julgamento público, que para muitos ocorre na arena política.
Críticas à “passividade institucional”
A crítica à “passividade institucional” repercutiu em diversos discursos e em muitas conversas espontâneas. “As pulseiras antiabuso não funcionam, as ordens de restrição não são verificadas, os exames de câncer de mama são adiados. O que mais precisa dar errado para ser chamado de negligência?“, perguntou Marta, enfermeira de um centro médico no sul de Madrid. As suas frases perdiam-se entre os tambores e os gritos de que “as únicas pulseiras que não falham são as algemas”. “As esposas salvam vidas”, exclamou Martha antes de desaparecer entre as pessoas. Os participantes que acompanharam a delegação do PSOE apontaram os governos estaduais e regionais como parte do problema, que consideram exigir vigilância constante. Durante a marcha, várias mulheres, acompanhadas pelo Ministro da Igualdade, tiveram a coragem de erguer vários cartazes onde se lia “Demissão do Ministro Redondo”.
Às vezes, o som dos tambores determinava o ritmo da marcha, como se fosse um coração coletivo. Ao passar, turistas atordoados observavam-no das calçadas; Alguns tiraram fotografias, outros simplesmente observaram a Gran Via se transformar numa rua frequentada por mulheres de todas as idades. Mais tarde, em Callao, várias jovens distribuíram adesivos abolicionistas. Não faltaram críticas a Ayuso, tanto por parte dos presentes como do Ministro da Igualdade. “Não há espaço para meias medidas quando se trata de igualdade.. Devemos proteger o que alcançamos, o que conquistamos e continuar a dar passos importantes”, disse Redondo.
Surgiram diversas faixas condenando situações de fundamentalismo religioso, que, segundo os organizadores, violam os direitos de meninas e adolescentes. Um deles, segurado por duas jovens cobertas com lenços coloridos, dizia: “O amor não é brincadeira”. “Há lugares onde as meninas crescem sem educação sexual, sem entender que têm direitos. A violência também nasce lá”, disse Nadya, uma estudante de Direito.
Movimento desgastado
Durante o passeio, muitos participantes mencionaram a marcha do outro dia: a marcha da Comissão 8M, a marcha do Podemos e Zumara, que é às 19h00. saiu de Atocha em direção a Jacinto Benavente com cruzamento. Embora aqueles que participaram numa marcha normalmente não participassem na outra, ambos coexistiram na paisagem social do 25N. A Comissão 8M marchou sob o lema “Todos contra a violência racista e patriarcal”, condenando o racismo institucional, a cumplicidade da União Europeia nos conflitos internacionais e a perda de fundos para serviços essenciais, incluindo o Plano de Responsabilidade Partilhada. O restante deixado por ambas as marchas, dividido em percursos e reclamações, representa mecanismo desgastadoque quer continuar a luta, mas que deixa claras suas próprias fraturas.