novembro 17, 2025
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Os franceses chamam de buquê a arte de arranjar buquês. Os japoneses elevam o nível emocional com o ikebana: uma técnica floral que busca equilíbrio e harmonia entre flores, galhos e espaço. Certamente nem um buquê nem um ikebana são palavras que surgem na mente dos pacientes e visitantes que veem Rosa Rabadan passar pelo Hospital Los Montalvos de Salamanca. Está carregado de flores, bambu, jarras, tesouras.…Uma florista que vem fazer um arranjo. Esta seria uma descrição breve e superficial do que Rosa fez durante dez anos neste hospital de Salamanca. Eles têm uma tarefa muito mais emocional, profunda e transcendental pela frente. Cada buquê de flores no hospital significa algo especial. Principalmente Rosa, voluntária do setor de cuidados paliativos do hospital. Para entender isso, nós o acompanhamos.

Hoje ele chega com sua carga no quarto de Farah, que tem pouco mais de 50 anos. Tendo chegado a Espanha há vários anos vindo da África Ocidental, encontra-se numa ala especial de um hospital com apenas 15 camas. Aquele que se destina a pessoas com doença grave ou em fim de vida. “Olá, Farah. Vamos fazer o centro“diz Rose quando ela chega.

“Escolhi flores de cores vivas: amarelo, branco, laranja. Nunca escolho tons tristes, procuro flores que dêem luz e vida”, conta Rose. “As flores são uma ferramenta de comunicação”, acrescenta, “eu entro com elas e isso quebra o gelo. Isso me permite observar como estão as coisas para o paciente, para a família e no momento.. Às vezes é esse detalhe que abre a conversa. Eles falam não só de flores, mas também de filhos, de cuidados e de vida. “É uma conexão mais espiritual e mais humana.”

Vivemos de costas para a morte

As conversas sobre a morte continuam a ser uma questão não resolvida na sociedade. “De muitas maneiras, vivemos de costas para isso”, reflete Rose. Devemos ver isso como um processo natural. Se entendêssemos isso melhor, poderíamos nos comunicar melhor com nossas famílias e enfrente esses momentos sem muito medo

Eva Tejedor, coordenadora do programa de cuidados paliativos, concorda: “Às vezes famílias e pacientes protegem-se e não conversam. Faz-se um pacto de silêncio. Tentamos quebrá-lo, mas sempre respeitando o ritmo de cada um. O principal é que o paciente decida por si mesmo o que quer saber e como gastar o seu tempo. Isto também é uma preocupação.” No quarto de Farah, o buquê passa a ser a peça central. “A Farah estava com muitas dores e agora está melhor. Trouxe também o papiro, que me parece uma planta forte, também algo mais exótico”, explica Rosa. Vamos trabalhar. Rose fala sobre flores. Farah fala sobre seu país e sua família. “No final das contas”, conclui Rose, “este centro conta sua própria história”.

Intimidade inesperada

Ikebana busca a conexão entre o céu, a terra e o homem. “Três elementos que se sustentam. Talvez o homem seja a flor principal ou o céu. O principal é o equilíbrio”, explica Rose. – São flores frescas que não podem ser forçadas. Assim como é impossível forçar as pessoas a dizerem o que não querem dizer.. Tem que cuidar deles, mantê-los hidratados, ficar de olho neles. E também transforma o paciente em cuidador”, acrescenta. O processo de ikebana muitas vezes cria um espaço de intimidade inesperada. Isso aconteceu com Farah: “Ele falava de flores como se fossem sua família. “Ele construiu um centro que representava o seu mundo”, diz Rose. Eva relembra o processo: “Quando a Rose chega com uma decoração floral, o ambiente muda. Às vezes o paciente participa disso, escolhendo as flores, arrumando-as.

Rose colabora com suas flores há 10 anos. Em Castela e Leão, Eva tem 17 anos. “Em 2024, tratamos 2.310 pacientes na comunidade”, explica, “cerca de 500 só em Salamanca. “São pessoas com doenças avançadas, a maioria das quais em cuidados paliativos: pacientes com cancro, mas também com patologias renais ou neurodegenerativas”.

Iniciativa pioneira

O trabalho de ambos está enquadrado em Programa de atenção integral da Fundação La Caixa para pessoas com doenças graves', uma iniciativa pioneira que promove cuidados compassivos para pacientes e suas famílias através de equipes EAPS há 15 anos. Estas equipas, compostas por psicólogos, assistentes sociais, pessoal médico e voluntários como Rosa, cuidaram de mais de 300 mil pacientes e 385 mil familiares em todo o país desde a sua criação. O acompanhamento é médico, emocional e, como o ikebana de Rose, floral. “As flores mudam o ambiente, trazem calma e cor. Essa é uma forma de cuidar dos olhos e da alma”, finaliza Rose.

“As pessoas acham que tudo aqui é triste”, diz Eva, “mas não é assim. Há momentos muito felizes. Por exemplo, um paciente participa de uma master class de flores e se esquece da doença por um tempo. “Eles aprendem a aproveitar o presente”.

Rose se despede de Farah. Ele não sabe se eles se verão novamente. O trabalho das equipes psicossociais não se limita ao hospital. Existem programas de apoio domiciliário disponíveis para quem recebeu alta mas ainda precisa de apoio. “Nem todos os pacientes internados morrem”, explica Eva. Muitas pessoas fazem isso para controlar os sintomas e depois continuam em casa. O que importa é que possam viver e morrer bem, com os sintomas controlados e acompanhados até ao fim.