De vez em quando surgem debates sobre qual deveria ser o “cachorro ideal”. Não é o mais bonito e nem o mais fotogênico, mas sim aquele que se enquadra harmoniosamente na vida das pessoas com quem convive. A questão, que pode parecer simples, foi estudada do ponto de vista científico. Uma equipe da Universidade La Trobe (Austrália) analisou Quais qualidades as pessoas mais valorizam? sobre seus companheiros caninos e as expectativas por trás dessas preferências. O resultado, além de anedótico, diz muito sobre como entendemos a coexistência com outras espécies.
O estudo fez a pergunta mais de 300 adultos que descrevem as características de um cão ideal. As respostas, que coincidem em grande parte com estudos anteriores, pintam o retrato de um animal calmo, previsível e “seguro”. Os participantes apreciaram especialmente os cães calmo e obediente (sabe andar sem puxar a coleira e sem causar drama no carro), com boa capacidade de autocontroleUM energia moderadaausência de comportamento agressivo e personagem afetuoso.
Em suma, o que os participantes capturaram é o que poderíamos chamar 'bom cidadão canino'alguém que se comporta de forma confiável tanto em casa como em público, que não cria conflitos ou turbulências, e em cuja companhia se sente confortável mesmo em contextos humanos difíceis.
Quando as expectativas diferem da realidade
O problema, como nos lembram os autores, não é o desejo de coexistência pacífica, mas a crença de que essas características são o padrão. Uma parcela significativa das recusas ou devoluções aos abrigos se deve à lacuna entre o que as pessoas esperam e o que um cachorro realmente é. Quando um animal é adquirido de forma impulsiva, sem ser informado do comportamento típico da raça ou do indivíduo, o desentendimento é quase inevitável. Um Border Collie, que exige horas de atividade mental, não se adapta facilmente às longas horas de solidão e ao sedentarismo, por mais carinho que tenha.
O estudo também destaca que, embora as características comportamentais sejam mais importantes na escolha do “cachorro ideal” do que as características físicas, a aparência ainda tem impacto. Em média, os entrevistados descreveram o cão ideal como de tamanho médio, com pêlo curto e pouca queda, preferencialmente adotado ainda filhote de abrigo ou abrigo. Um retrato que demonstra também a mudança cultural onde o cão de raça pura já não procura prestígio, mas sim um companheiro funcional, fácil de cuidar e administrável emocionalmente.
Redes sociais e miragens
No entanto, investigadores australianos apontam para um fenómeno recente que distorce esta equação: as redes sociais. Contas dedicadas a cães com aparência recheada ou raças miniatura e expressivas. aumentou a opinião de que alguns animais são mais fáceis de cuidar e mais terno que outros. Imagens hipereditadas e vídeos curtos reforçam uma estética infantil que mascara os reais desafios de cuidar deles. Como alertam os autores, esta romantização visual pode ser enganosa porque por trás daqueles olhos enormes e do comportamento aparentemente dócil estão raças com predisposição genética para a ansiedade, fragilidade física ou dependência excessiva.
Por outro lado, a influência da nostalgia também importa. O estudo observa quantas pessoas tendem a escolha cães que os lembrem da infânciareproduzindo conexões emocionais em vez de decisões racionais. Este é um fenômeno importante, exemplificado pelo caso do Laboratório de Terapia Assistida Canina, Laboratório BARK na Universidade da Colúmbia Britânica, onde se observou que os alunos muitas vezes preferiam interagir com cães que traziam à mente a imagem do cão com quem cresceram, como se procurassem uma âncora emocional familiar. Essa conexão pode ser poderosa, mas também afasta as escolhas da emoção, em vez da compatibilidade.
O cão ideal não pode ser encontrado: ele foi projetado
Se a pesquisa australiana deixa algo claro é que não existe o conceito de cão perfeito. O que existe é potencial. Os animais não chegam em casa com instruções de uso ou com todas as qualidades desejadas já desenvolvidas. Obediência, calma e segurança não são qualidades inatas, mas qualidades que Eles crescem com tempo, paciência e compreensão..
O estudo sugere que mudemos nossa abordagem. Não se trata de encontrar um cão que cumpra uma lista de requisitos, mas de reconhecer a sua capacidade de aprendizagem e adaptação. Como nos lembram os autores, muito do prazer de conviver com um cachorro vem justamente do processo de crescimento conjunto, de observar um animal inseguro ou impulsivo aprender, confiar e se transformar com o apoio adequado.
Esta perspectiva também ajuda a desmantelar a ideia perigosa de que os cães devem comportar-se automaticamente de acordo com as expectativas humanas. A obediência, a calma ou a ausência de comportamentos irritantes não são qualidades naturais, mas o resultado de relacionamentos respeitosos e consistentes. E quando essa base não é dada, o problema não é o cachorro, mas sim a falta de entendimento mútuo entre as espécies.
Link:
- O cão de companhia ideal: um novo estudo das visões australianas sobre as características ideais dos cães de companhia. Emma S. Power, Jessica Dawson e Pauline S. Bennett. Animais (2024)