novembro 20, 2025
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Uma regra não escrita da política italiana – a regra da harmonia institucional entre o governo e o presidente da república – foi destruída na terça-feira. As tensões transformaram-se num conflito sem precedentes que teve lugar no Palácio Chigi, sede do Presidente francês. Governo com o Palácio Quirinale, residência do chefe de estado, Sérgio Mattarella.

A raiz do conflito foi a publicação de um artigo no jornal conservador La Verità, que afirmava a existência de um suposto plano desenvolvido por um conselheiro do Quirinal para desestabilizar o poder executivo. Geórgia Meloni.

O conselheiro nomeado foi Francesco Saverio Garofaniex-parlamentar do Partido Democrata, de esquerda, que ocupou um cargo-chave na presidência, como assessor, especialmente em questões de defesa, do Presidente Matarella.

Segundo La Verità, Garofani, numa conversa privada em local público, manifestou preocupação com a possibilidade da ascensão de Meloni ao Quirinal no futuro. O argumento é este: se o líder Irmãos da Itália vencerá as próximas eleições, inicialmente previstas para 2027, e como agora a oposição continua dividida, a direita decidirá quem será o próximo inquilino do Quirinal, o sucessor de Mattarella. Neste caso, Georgia Meloni poderia tornar-se presidente da república.

Esta é uma ideia que já foi comentada em alguns meios de comunicação. Além disso, em tom de participação política, o vereador Garofani mencionaria a necessidade de formar uma “grande lista de cidadãos” que mudaria o equilíbrio de poder antes das próximas eleições. Os comentários chegaram a circular por vários jornais por e-mail anônimo antes de serem publicados pelo La Verità, aumentando o mistério em torno das origens da informação.

Assim, o que em princípio poderia ter sido simples fofoca política, devido à reação dos Irmãos da Itália, partido de Meloni, transformou-se numa crise institucional. Galeazzo Bignamilíder do grupo Irmãos da Itália na Câmara dos Deputados, pediu publicamente ao Quirinal que esclarecesse as palavras atribuídas a Garofani.

A reação do Presidente da República foi imediata e devastadora. Quirinalem tom inusitadamente áspero, emitiu uma nota oficial na qual expressava sua “surpresa” e “estupefação” diante da declaração de Bignami, que parecia confirmar “mais um ataque à Presidência da República, construído até o ridículo”.

Para Mattarella, que encarna a figura do garante da Constituição e da neutralidade política (as sondagens mostram-no com 70% de consenso entre os italianos), o facto de um alto líder do Partido do Governo ter questionado a lealdade de um membro da sua equipa foi um gesto de extrema seriedade que parecia destinado a minar a autoridade do Quirinal.

Reunião de 20 minutos

O silêncio entre o Palazzo Chigi e o Quirinal durou 24 horas. Para acalmar a crise, a própria Giorgia Meloni tomou a iniciativa, ligando para Mattarella pedindo “esclarecimentos urgentes”. A reunião, que durou apenas vinte minutos, ocorreu pouco antes do almoço.

Segundo a mídia italiana, durante uma conversa cara a cara, o primeiro-ministro teria pedido desculpas pela forma como Bignami pediu a recusa. Fontes parlamentares indicam que Meloni lhe disse que a intenção dos Irmãos da Itália não era atacar o Presidente, mas sim “confinar o assunto” à figura do Conselheiro Garofani, a quem coube esclarecer as suas próprias palavras, publicadas em La Verità, para defender o Quirinal. Mattarella, por sua vez, teria apreciado o gesto de Meloni de solicitar uma reunião, visto que a crise foi encerrada com esta visita.

Nota do Palazzo Chigi reacende tensões

Justamente quando a cimeira parecia ter cimentado a paz, um comunicado divulgado Palácio Chigi Ao final do encontro, ele semeou novas dúvidas. A nota tentava reafirmar a “harmonia institucional” com o Quirinal, mas ao mesmo tempo Meloni aproveitou para esclarecer a sua posição, manifestando “descontentamento” ao chefe de Estado pelas “palavras institucional e politicamente inadequadas” proferidas por Garofani.

Esta decisão de repreender formalmente o vereador numa declaração após uma reunião supostamente conciliatória foi percebida no Quirinal como “equivocada” ou fora de espírito.

A mensagem que chegou ao Quirinal foi que Meloni, embora se desculpando pela forma do ataque, manteve a essência de sua denúncia, acusando Garofani de criar um curto-circuito com seus comentários. Essencialmente, a posição de Meloni era que Garofani era o responsável pela situação e deveria ter esclarecido imediatamente as suas palavras, e que o pedido de renúncia de Bignami era uma forma necessária de “encerrar imediatamente o assunto”.

Conclusão oficial: “O assunto está encerrado”.

Apesar da ambiguidade na nota do Palazzo Chigi, o partido do Primeiro-Ministro tentou pôr fim à polémica. Os líderes do grupo dos Irmãos da Itália no Senado e na Câmara dos Deputados, Lucio Malan e Galeazzo Bignami, emitiram uma declaração conjunta dizendo: “Os Irmãos da Itália consideram o assunto encerrado e não consideram necessário acrescentar mais nada”.

Embora fontes próximas do executivo tenham sugerido que um “retrocesso” de Garofani seria bem-vindo, o conselheiro permanece no seu cargo e o Presidente da República não emitiu quaisquer notas de acompanhamento, deixando no ar a sensação de que o Quirinal não partilha plenamente a versão do governo de uma “questão encerrada”.

A crise institucional expôs a linha vermelha entre Governo E Presidênciamostrando que, apesar do seu compromisso com a cooperação, a primeira-ministra parece disposta a defender os interesses do seu partido, mesmo correndo o risco de prejudicar as relações com a mais alta instituição do estado.