novembro 21, 2025
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Aquele que foi número dois A missão diplomática italiana em Sarajevo durante a guerra na Bósnia e Herzegovina nos anos noventa, e depois o primeiro embaixador deste país no Kosovo, Michael Giffoni, confirmou esta quinta-feira numa entrevista a existência do chamado safáris humanos na capital da Bósnia. Italianos e outros estrangeiros que chegavam lá como franco-atiradores nos finais de semana durante o cerco à cidade pagavam para atirar em civis. Foi um fenómeno até então oculto que veio à tona este mês, quando os promotores de Milão iniciaram uma investigação sobre os italianos envolvidos nas viagens sinistras, após receberem uma denúncia do escritor Ezio Gavazzeni, que há anos coletava informações sobre o caso.

Giffoni, que mais tarde chefiou a equipa dos Balcãs de Javier Solana quando este era Alto Representante da UE para a Política Externa, confirmou um detalhe importante: funcionários dos serviços secretos bósnios informaram a Itália da prática, e o SISMI, os serviços secretos italianos, lançou uma investigação e cortou-a pela raiz em Março de 1994. Ou seja, pode ter havido ficheiros oficiais em Itália com informações adicionais sobre esta questão.

Declarações de Giffoni ao jornal República Representam a primeira confirmação destes factos por parte de um membro das instituições italianas e confirmam um dos testemunhos mais convincentes da investigação – as declarações de Edin Subasic, um antigo agente dos serviços secretos da Bósnia. Subašić confirmou ao EL PAIS que a primeira notícia confiável que receberam sobre esta atividade macabra foi durante o interrogatório de um sérvio bósnio capturado. Eles então relataram isso ao SISMI, que os informou, alguns meses depois, que o assunto estava encerrado. As forças de segurança italianas descobriram a rota seguida por estes turistas de guerra – de avião de Trieste para Belgrado e depois por terra para Sarajevo – e interromperam-na. “Subasic não inventa nada”, disse Giffoni.

“Lembro-me com certa emoção quando cheguei a Sarajevo no final de 1994. Imediatamente me disseram: “Estão fazendo um safári lá”. Muitas pessoas ricas vieram de todos os lugares. Caçadores, mas também empresários. As forças militares ou paramilitares que tiveram influência neste conflito levaram-nos para as montanhas e pagaram-lhes. Aí tudo ficou mais claro”, disse Giffoni. Isto refere-se ao momento em que a inteligência bósnia notificou o SISMI. Além disso, afirma, esta informação também foi confirmada pelo chefe de Subasic, outro nome que será incluído na investigação: Mustafa Hairulahovich, apelidado de Talizan. italianocom quem a delegação italiana mantinha boas relações.

Isto aconteceu em 1994, e Giffoni acrescenta que alguns meses depois, “de Roma”, informaram os agentes bósnios “que a pista tinha sido investigada, que tinham apurado quem a organizou e o caso foi encerrado”. “Garantiram que pelo menos da Itália o fluxo havia parado”, conclui. O ex-diplomata afirma que nunca mais ouviu falar do assunto e nunca soube da identidade destas pessoas. “Se tivéssemos nome, teríamos perseguido eles, essa notícia nos preocupou muito”, afirma.

A entrevista com Giffoni não foi a única notícia do dia neste caso. A segunda é uma queixa que o jornalista de investigação croata Domagoj Margetik apresentou ao Ministério Público de Milão, na qual acusa o actual presidente sérvio, Aleksandar Vucic, de participar em safáris humanos.

Como explicou o repórter nas redes sociais, Vučić, então secretário-geral do Partido Radical Sérvio (SRP), participou na guerra como voluntário entre 1992 e 1993, e durante o cerco de Sarajevo ocupou os cargos da milícia sérvia-bósnia no cemitério judeu. Segundo Margetich, esse ponto era um daqueles para onde os chamados turistas militares eram levados para serem fuzilados em troca de dinheiro.

Vučić, por sua vez, nega: “Nunca matei ou feri ninguém, nem fiz nada parecido. Mentiram sobre mim como franco-atirador em Sarajevo durante 10, 20 anos e continuam mentindo”, informou a agência EFE.

O actual líder sérvio, afirma o requerente, era membro do grupo paramilitar de Slavko Aleksic, tendo a sua presença naquele local sido confirmada, acrescenta, por vários testemunhos durante o julgamento de crimes de guerra no Tribunal Penal Internacional (TPI), na ex-Jugoslávia. Entre eles, garante, está Vojislav Seselj, fundador do partido de Vucic e seu chefe durante aqueles anos de guerra. Šešelj, condenado a dez anos de prisão por um tribunal de Haia, apareceu depois na televisão sérvia a disparar como franco-atirador em Sarajevo, segundo artigos da imprensa italiana de 1995, recordados hoje, e disparou contra um transeunte em frente às câmaras.

Segundo este jornalista, o próprio Vučić reconheceu uma vez a sua presença em Sarajevo numa entrevista na qual, segundo ele, disse as seguintes palavras: “Quando começou a guerra na Bósnia, fui a Sarajevo e inscrevi-me como voluntário. Passei algum tempo no cemitério judeu”.

Este repórter croata afirma que Vučić foi um dos que “forneceu logística” aos atiradores estrangeiros, e por vezes até os acompanhou de Belgrado a Sarajevo. Ele publicou um famoso vídeo filmado durante a guerra em um cemitério judeu, no qual aparecem Cesale e Vučić. Na sua opinião, o atual presidente sérvio evitou as câmaras porque segurava uma espingarda na mão. Vučić sempre afirmou que era um guarda-chuva. “Quem carrega guarda-chuva? Se fosse esse o caso, eu não estaria fugindo das câmeras ou tentando esconder meu guarda-chuva”, escreveu Margetik em sua conta no Instagram. Em resposta às acusações, Vučić negou, embora desta vez tenha dito que tinha um tripé de câmera na mão. “Que pena! Eles não disseram uma palavra para me retratar como um monstro, um assassino de sangue frio”, disse ele.