A passagem do tempo e a passagem das várias décadas que estruturam numericamente a nossa existência determinam na grande maioria das pessoas uma mutação emocional para a melancolia: da exaltação do futuro como esperança à justificação do passado como autenticidade. Verso … Manriqueña que qualquer época do passado foi melhor é muito bonita e duvidosa, embora às vezes isso também não seja mentira. E talvez quando se trata de avaliar o jornalismo moderno, tanto em termos de informação como de opinião, qualquer momento no passado, não muito tempo atrás, pareça melhor.
E isto não acontece porque os jornalistas de hoje sejam piores do que os de ontem. Que tenham menos fundos, menos preparação. As que foram lançadas agora são simplesmente extraordinárias e comparáveis às melhores canetas de décadas atrás. No entanto, eles não estão mais sozinhos.
O ecossistema de informações e opiniões mudou significativamente como resultado da digitalização da realidade. Há muitos maus jornalistas agora. E agora somos todos jornalistas. O nosso Tribunal Constitucional já o assinalava há cinco anos quando referiu (STC 27/2020) que os utilizadores passaram de uma fase em que eram considerados meros consumidores de conteúdos criados por terceiros, meros sujeitos passivos de informação, para a fase actual em que os conteúdos são autocriados, tornando-se sujeitos verdadeiramente activos que preparam, modificam, armazenam e partilham informação. E o mesmo tribunal acrescenta no último acórdão 83/2023 que a comunicação e interação digital caracterizam-se, entre outras coisas, pelo imediatismo e rapidez da difusão dos conteúdos, pela maior dificuldade de estabelecer controlo antes dessa difusão, e pela potencialmente extensa – e difícil de controlar – duplicação, repetição e transmissão entre terceiros de conteúdos publicados na rede.
Assim, a comunicação em rede leva a uma mudança nos papéis tradicionalmente ocupados por informantes e cidadãos. O cidadão assume agora um novo papel que todos os membros da comunidade sabem ser irrealista, o de suposto profissional na área da informação e opinião, mas, apesar disso, tratamos a informação e as opiniões que nos são fornecidas através deste novo canal da mesma forma que as provenientes dos meios de comunicação profissionais. Já não é estranho encontrar nos debates sobre determinados acontecimentos um confronto entre notícias profissionais e simples opiniões de pessoas comuns, sem qualquer qualificação ou experiência jornalística no tema em discussão. Estamos passando da comunicação de massa, estabelecida por Castells, para a “autocomunicação de massa”, quando qualquer pessoa pode criar de forma independente um ecossistema de informação. O clássico consumidor de notícias torna-se um “prosumidor”, produtor e consumidor ao mesmo tempo (Arias Maldonado).
A transformação digital do espaço público leva a uma indefinição da profissão e, como resultado, a fronteira que denota a veracidade é esbatida, as mentiras são naturalizadas, a hostilidade comunicativa intensifica-se, os discursos extremistas são normalizados e a produção e difusão de notícias falsas ou teorias da conspiração é acelerada (Arias Maldonado).
E não devemos esquecer, no que diz respeito às funções profissionais, que embora o jornalista esteja sujeito a pelo menos um código de ética, o cidadão que reporta e expressa uma opinião nem sequer o sabe. O mesmo pode ser dito sobre o trabalho coletivo de racionalidade deliberativa que ocorre nas redações da mídia tradicional antes da transmissão dos noticiários. Isto é comunicado cuidadosamente aos outros colegas antes da comunicação, o que não acontece com as notícias que os cidadãos transmitem diretamente, ou com os meios digitais, que respondem a um modelo não estruturado e sem conselho editorial.
Além disso, a Internet dá origem a mais dois efeitos: a informação à la carte, em que o consumidor não está sujeito à sistematização das notícias oferecidas pelos meios de comunicação, mas faz a sua própria escolha. A informação torna-se apenas uma questão de escolha, o que acaba por dificultar a formação de opiniões públicas alheias ao mercado consumidor. O indivíduo não é necessariamente informado de fatos noticiáveis, mas apenas de suas preferências. A leitura de notícias na Internet não segue a taxonomia da mídia tradicional. A informação será agora simplesmente uma expressão de preferências individuais. Torna-se uma espécie de buffet sueco.
Por outro lado, há um fluxo de informações, com a consequente situação de transbordamento. E este sentimento de depressão dá origem a uma situação com duas características psicológicas aparentemente opostas, mas coexistentes: por um lado, a exposição a uma quantidade tão grande de informações torna a pessoa vulnerável pela impossibilidade de verificação mínima, que as gerações mais jovens não ensinaram. Por outro lado, a acumulação de informação permite que o viés de confirmação opere, pelo que todos tendemos a aceitar o que já sabemos ou acreditamos. E com tanta informação na Internet, é difícil não encontrar uma opinião ou avaliação que não satisfaça o nosso preconceito. A nossa racionalidade limita-se agora a não questionar as nossas preferências. Não podemos absorver grandes quantidades de informação e escolher o que nos satisfaz.
Assim, devido à expansão da Internet, encontramo-nos numa aldeia hipercomunicativa, numa sociedade, nas palavras do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, com comunicação mas sem comunidade e, poder-se-ia acrescentar, inundada de informação que não ajuda a moldar a verdadeira opinião pública. A comunidade é substituída por uma espécie de narcisismo grupal com uma crença irracional na grandeza do próprio grupo acompanhada de desprezo por outros grupos. E novas formas de informação, nem formais nem profissionais, servem habilmente esta convicção. O narcisismo coletivo requer uma grande necessidade de fechamento cognitivo, um desejo de aderir rigidamente a crenças simplistas e inadequadas, em vez de uma aceitação da incerteza, com muito baixa reflexividade. Uma nova praça pública cheia de narcisistas e informantes leigos.
E se a praça pública está repleta de narcisistas mal informados, que futuro reserva para as nossas democracias representativas que têm uma relação simbiótica com informação verdadeira e opinião racional?