Nos últimos três anos, 287 especialistas de 82 países embarcaram no que a ONU chama de a avaliação científica mais abrangente do ambiente global até à data. É o relatório Global Environment Outlook, um alerta sombrio sobre a aceleração do aquecimento global que levou o planeta para um “território desconhecido”, de acordo com o documento de mais de 1.100 páginas divulgado terça-feira sob os auspícios do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
A publicação deste relatório não serve apenas como um sinal de alerta, mas também exemplifica o contexto complexo em que se encontra a humanidade e a luta pelo meio ambiente. Porque este extenso documento teve de ser acompanhado de um resumo político acordado entre cientistas e representantes dos países. No entanto, este texto foi bloqueado pelas potências petrolíferas aliadas aos Estados Unidos, como aconteceu diversas vezes no primeiro ano do segundo mandato de Donald Trump, um negacionista e defensor do sector dos combustíveis fósseis.
Esta é a sétima avaliação desse tipo a ser realizada, conhecida pela sigla GEO. A primeira edição foi lançada em 1995, e a última edição, GEO6, foi publicada em 2019. Quatro figuras proeminentes chefiaram o comité responsável pelos preparativos para a ocasião, incluindo o químico britânico Robert Watson, que, entre outras coisas, presidiu duas vezes ao IPCC (o painel que estabelece as bases para as alterações climáticas) e foi conselheiro científico da Casa Branca durante a era Barack Obama. “Não há dúvida de que o clima da Terra está a aquecer mais rapidamente do que pensávamos”, afirma quando questionado sobre a principal diferença entre as conclusões da avaliação de 2019 e as de 2025. “Provavelmente estamos subestimando a extensão das mudanças climáticas”, alerta.
Isto é explicado num resumo que os cientistas do GEO7 prepararam por sua própria iniciativa: “A taxa de aquecimento global será provavelmente superior às principais estimativas das projecções anteriores do IPCC, aumentando o risco de ultrapassar irreversivelmente vários pontos de viragem climáticos nas próximas décadas. Estes incluem grandes mudanças na circulação oceânica, perda acelerada de mantos de gelo, derretimento generalizado do permafrost, perda de florestas e colapso dos ecossistemas de recifes de coral”.
Mas este estudo não se centra apenas nas alterações climáticas, mas também analisa três outras componentes da quádrupla crise ambiental que o planeta está a sofrer devido às ações humanas: perda de biodiversidade, degradação e desertificação dos solos, e poluição relacionada com resíduos. “Estas crises interligadas, que minam o bem-estar humano e são causadas principalmente por sistemas insustentáveis de produção e consumo, reforçam-se e agravam-se mutuamente e devem ser abordadas em conjunto”, explicam.
Os autores alertam ainda que “é pouco provável que a maioria dos objectivos e metas ambientais acordados ou aceites internacionalmente sejam alcançados pelas políticas e práticas actuais”. Citam pactos como o Acordo de Paris de 2015, o Pacto de Biodiversidade de Montreal de 2022 ou as novas diretrizes sobre poluentes atmosféricos que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu em 2021.
O curso da política actual está a levar a Humanidade ao incumprimento destes acordos. Por exemplo, o GEO7 prevê que o aquecimento aumente 2,4 a 3,9 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais, bem acima do limite de 1,5 a 2 graus estabelecido pelo Acordo de Paris como limite.
Mas o relatório também aponta o que é preciso fazer para evitar que isso aconteça, ou seja, a “transformação” que deve ser empreendida e que milhares e milhares de relatórios científicos têm apontado durante décadas. Por exemplo, eliminar o enorme montante de 1,5 biliões de dólares por ano de fundos públicos dedicados ao apoio a actividades prejudiciais ao ambiente nos sectores energético, alimentar e mineiro. Ou a necessidade de diversificar “a produção de energia, incluindo uma maior utilização de tecnologias renováveis, como a energia solar e eólica”, acelerando ao mesmo tempo a “eliminação progressiva” dos combustíveis fósseis. Ou uma recomendação para deixar de aceitar o crescimento do PIB como único indicador de desenvolvimento, “incorporando o capital natural e o bem-estar humano na tomada de decisões”.
Bloqueio
É aqui, na área das soluções, que os cientistas responsáveis pelo relatório tiveram mais problemas, devido à pressão dos estados petrolíferos, que no ano passado encontraram o seu melhor aliado na administração Trump para travar as políticas ambientais baseadas nos combustíveis fósseis.
A preparação deste relatório baseia-se no mandato emitido em 2022 pela Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente (UNEA). Esta assembleia reunir-se-á novamente esta semana em Nairobi, onde o GEO7 estará representado. Mas o mandato de há três anos não incluía apenas a preparação dessa avaliação, mas também o acordo sobre um resumo político que ajudará os governantes a agir e a chegar a acordo sobre decisões sobre questões ambientais.
Este resumo foi preparado durante as negociações com base em documentos científicos e observações de representantes dos países. Uma reunião para redigir o documento teve lugar em Nairobi, no final de Outubro, mas terminou sem chegar a acordo. Como explicou ao EL PAÍS outro dos quatro presidentes do comitê encarregado do GEO7, o ex-ministro costarriquenho Edgar Gutiérrez-Ezpeleta, um “grupo minoritário” acabou bloqueando o texto. Porque se opuseram às referências aos combustíveis fósseis e aos plásticos, outro derivado do petróleo; Rejeitaram também a utilização dos termos “crise” ou “transformação” e pediram mesmo que fossem eliminadas as referências aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, explica ainda o professor de estatística da Universidade da Costa Rica. “Tudo foi feito para diminuir o tom do relatório”, resume.
Fontes presentes nas reuniões, que incluíram dezenas de académicos e organizações da ONU, além de negociadores de 67 países e da União Europeia, notam que os mais combativos foram representantes da Arábia Saudita e do Irão, aos quais se juntaram outros como Rússia, Turquia, Argentina e Brasil.
Por fim, o golpe decisivo neste documento político foi o aparecimento, no último dia, do representante dos Estados Unidos, país que até então tinha estado ausente de todas as negociações. “Os EUA aderiram às negociações no último dia, indicando que não poderiam apoiar o documento”, afirmam fontes do PNUMA envolvidas no processo. Como resultado, a reunião foi encerrada sem o texto “para os decisores políticos”, como são conhecidos os documentos que acompanham todos os relatórios importantes da ONU e servem como resumos. Diante dessa situação, os cientistas decidiram preparar o seu próprio resumo.
Gutiérrez-Ezpeleta explica que já esteve envolvido no processo GEO6 na última década, cujo resumo político foi acordado com países como GEO5 (2012) e GEO4 (2007). “Sempre houve comentários dos países, mas com vontade de encontrar uma solução”, lembra. Neste caso, ele não notou tamanha “boa vontade” entre alguns dos negociadores. Ele liga o que aconteceu com este relatório a outros acontecimentos ambientais, como a recente cimeira do clima em Belém, onde os estados petrolíferos conseguiram garantir que a declaração final da reunião não mencionasse os combustíveis fósseis, apesar de serem a principal causa do aquecimento global.