dezembro 14, 2025
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Hector Alterio exilou-se de Buenos Aires em 1975 devido a ameaças do grupo paramilitar de extrema-direita Triple A, mas nunca deixou totalmente o seu país natal, que lamentou de longe a sua morte neste sábado. “Seu legado no teatro, no cinema e na televisão deixa uma marca de dedicação e excelência artística”, despediu-se dele a Associação de Atores Argentinos. “Morreu um dos maiores heróis argentinos de todas as cenas do século passado”, lembra o jornalista de entretenimento Marcelo Stiletano.

O ator argentino passou as últimas cinco décadas de sua vida na Espanha, nunca abrindo mão das constantes travessias do Atlântico, que o levaram a expandir uma enorme carreira no cinema e no teatro que o tornou uma das maiores referências da cultura argentina. Seu papel principal em História oficialLuis Puenzo trouxe à Argentina seu primeiro Oscar de melhor filme estrangeiro em 1986. Seu nome ficou para sempre associado à estatueta de Hollywood, pois também participou de outros três filmes argentinos indicados ao prêmio: Trégua (1974), Camila (1984) e filho da noiva (2001).

Alterio nasceu em 1929 em Buenos Aires, filho de imigrantes italianos. A centelha da sua vocação acendeu-se muito cedo, no ensino básico, e embora na juventude tenha conjugado vários trabalhos com o teatro, decidiu finalmente atuar na vibrante década de sessenta. Nessa época participou da trupe Nuevo Teatro, um dos maiores movimentos de renovação do palco argentino. Data também desta época o compromisso social e político que o definiu até aos últimos dias.

Para Trégua já se destacou nas telonas com suas atuações em Pele de amor, Quebracho e especialmente com Patagônia Rebelde. O longa-metragem, que traz o relato de Héctor Olivera sobre a greve massiva dos trabalhadores de 1920-2021 e as execuções que se seguiram, já chamou a atenção da Triple A. Porém, foi o filme de Sergio Renan que dividiu a vida de Alterio em duas partes.

O ator argentino viajou com o restante do elenco para a Espanha para apresentá-lo. Trégua no Festival de Cinema de San Sebastian, quando sua esposa Tita Bacaicoa lhe contou sobre a primeira ameaça. A segunda chegou até ele através do concierge do hotel. Embora não entendesse os motivos, decidiu permanecer na Espanha e trazer para lá a esposa e os dois filhos, Ernesto e Malena, ainda bebês. Demorou anos para descobrir que as ameaças eram motivadas pela representação no filme de uma família disfuncional – a primeira argentina a concorrer ao Oscar.

Alterio voltou à Argentina para trabalhar com grandes diretores argentinos como Marcelo Pinheiro, que o dirigiu em cinzas do céu, cavalos selvagens E Prata queimada. Seu grito eufórico diante do mar em “Cavalos Selvagens” – “Uma prostituta que vale a pena estar viva” – ficou para sempre na memória emocional dos argentinos. Suas participações nos filmes de Juan José Campanella, com quem atuou, também são lembradas. filho da noiva e série ventos de água.

Alterio transformou em material artístico sua dor pelo exílio forçado inicial e pela subsequente nostalgia. Já com 90 anos, voltou aos palcos de Buenos Aires com Minha Buenos Airesuma obra íntima em que percorreu memórias pessoais e coletivas através dos textos de Homero Manzi, Enrique Cadicamo, Eladia Blazquez, Catulo Castillo, Horacio Ferrer e Leon Felipe.

Neste espetáculo tão pessoal, a Buenos Aires da sua infância e juventude apareceu como um paraíso perdido, que evocou com melancolia e humor. Seu comportamento único no palco lhe rendeu numerosos aplausos na época e hoje – despedidas sinceras.

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