novembro 15, 2025
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As decorações do Supremo Tribunal Federal – lustres de bronze, cornucópias douradas, paredes cobertas por cadeiras vermelho-carmesim de encosto alto – visam intimidar o réu com a solenidade formal da Lei. Nada em comum com o Tribunal Nacional, cujas salas parecem auditório do instituto da cidade. O Procurador-Geral do Estado estava habituado a viver num ambiente assim, embora não como prisioneiro; Conseqüentemente, uma das incógnitas sobre sua aparência era se ele abriria mão do privilégio de testemunhar no depoimento e travestido. Ele fez isso. Ele tirou o manto e caminhou até o assento, e não o banco, ocupado pelas testemunhas e peritos. Num nível simbolicamente inferior ao nível dos juízes de paz estabelecido pelo procedimento.

Ele apenas respondeu às perguntas do advogado do governo, cumprindo a função prática de defensor particular, uma vez que as acusações não implicavam qualquer responsabilidade adicional. Ele falou durante quase uma hora e meia num tom suave, quase resignado, respondendo brevemente “não” e “sim” a duas perguntas dos promotores feitas aos seus subordinados. Em seu depoimento, ele não apresentou surpresas, nem truques novos e até então desconhecidos. Apenas três aspectos da sua explicação chamaram a atenção: a sua falta de acordo com o procurador de Madrid que o acusou de vazar informações confidenciais, o facto de ter apontado Ayuso como o instigador intelectual da denúncia e a sua atenção obsessiva ao que a imprensa publicou no dia do julgamento. O verdadeiro motivo da bagunça pela qual ele está sendo perseguido.

O resumo contém uma frase que motivou uma nota informativa sobre as negociações para um acordo com o namorado do presidente, Gonzalez Amador, a respeito de dois crimes tributários. “Eles vão nos vencer.” Toda a sua apresentação foi essencialmente uma exposição de seus esforços para combater as teorias que circulavam no debate público. “Não podíamos ficar parados”, disse ele sobre as “farsas”, “enganos” e “calúnias” (sic) que atribuiu ao meio ajucista.

Justificou os seus esforços como uma necessidade de proteger a honra da instituição que liderava, mas a importância que atribuiu às notícias parecia indicar um problema político e não jurídico. Ele demonstrou que durante aquelas horas vertiginosas, cuja sequência cronológica constitui a essência do julgamento, na ausência de uma “arma fumegante”, ele estava até ciente do que aparecia no Twitter até o minuto. Ele mencionou manchetes e noticiários de meia dúzia de jornais, programas de rádio e capas digitais. E admitiu que aprendeu muito sobre o funcionamento do “sistema mediático” – discurso alegórico com o qual passou a acusar o jornalismo, ou parte dele, de operar sob os ditames dos interesses partidários.

A sessão não impressionou ninguém nos corredores de Salezas.

Nesse sentido, a afirmação era uma “metanarrativa”: uma história da história. E ficou claro que a razão está no desejo de Garcia Ortiz – talvez não só dele – de prevalecer sobre o ruído da comunicação. Em defesa da honra do Ministério Público, disse, entrou numa batalha narrativa em que se apresenta perante sete juízes que vão determinar se, numa torrente de versões e contra-versões, poderia ter cometido o crime. Isto é, se, no seu desejo de proteger a “verdade”, ele revelasse dados confidenciais que a sua posição o obriga a manter em segredo.

O restante das explicações passou pelo canal planejado. Ele negou o vazamento de informações: “Eu não atendo ligações, ficaria louco”, discutiu longamente as mudanças no celular e a exclusão de dados, que o OCO considera destruição confiável de provas, e culpou duramente Almudena Lastra, a promotora que ele “teve que perseguir” para atender suas ligações durante aquela “noite dinâmica”. Quanto à agora famosa e urgente pergunta, que Lastra confirmou – “Você vazou?” – e sua resposta suspeita – “agora não importa” – afirmou que “não entendi o que ele estava dizendo, não temos confiança de que ele falaria comigo nesse tom”.

Quando tudo acabou, já estava escuro na praça semideserta da Villa de Paris, em contraste com a agitação da rua vizinha de Gênova. A sessão não pareceu impressionar ninguém nos corredores das Salesas. O tribunal terá de chegar a um veredicto através da análise dos depoimentos, provas e relatórios apresentados na audiência oral de natureza complexa, tendo em conta o estatuto institucional do arguido, a dificuldade de provar a autoria de uma fuga inerentemente opaca e o inegável significado político do veredicto. E com a certeza de que qualquer que seja a solução, estará aberta a enormes polémicas.