O Haiti, onde vivem quase 11,8 milhões de pessoas, enfrenta uma realidade preocupante. Nos últimos anos, a insegurança, a instabilidade política e a pobreza mergulharam o país caribenho numa crise prolongada que não dá sinais de trégua. Somam-se a isso eventos climáticos extremos, como o furacão Melissa, cuja recente explosão resultou em dezenas de mortes. A economia contraiu 4,2% em 2024, prevendo-se outra contração de 2% em 2025 se a segurança, a inflação e o investimento não melhorarem, segundo o Banco Mundial. Neste contexto, a assistência humanitária ainda é necessária, mas não é suficiente: o Haiti corre o risco de ficar preso num estado de emergência permanente, a menos que o sector empresarial recupere.
Em Março de 2025, o Grupo Banco Mundial revelou uma nova estratégia para o Haiti que visa equilibrar o alívio imediato com a construção de uma base económica mais forte. O roteiro inclui aproximadamente 320 milhões de dólares em financiamento para reforçar a governação, criar empregos e manter a capacidade institucional básica. A ênfase está no apoio às empresas locais, fornecendo-lhes as ferramentas e o financiamento para que não apenas sobrevivam, mas possam ser motores de sustentabilidade.
Alguns exemplos específicos ilustram esta abordagem. Este ano, a IFC, membro do Grupo Banco Mundial, e o BID Invest anunciaram um investimento conjunto de US$ 13,5 milhões na Solengy Haiti, uma empresa local de energia solar. O projeto inclui a instalação de dez megawatts de painéis fotovoltaicos e um sistema de armazenamento de energia de 20 megawatts-hora para abastecer residências, escolas, hospitais e pequenos negócios. Para além dos números, esta operação, estruturada pela IFC, significa que milhares de famílias que dependem de geradores a diesel caros e poluentes poderão contar com uma electricidade mais estável e limpa.
Outro caso é o da Caribbean Bottling Company (CBC), fornecedora de água potável em Porto Príncipe. Em 2019, a IFC investiu na empresa para expandir a sua fábrica, e novamente em 2025 apoiou-a num projecto de transição energética que inclui a instalação de painéis solares e um sistema de baterias com capacidade até cinco megawatts-hora. O objetivo destes novos investimentos é reduzir custos, aumentar a eficiência e minimizar as emissões de gases com efeito de estufa. Em plena crise política, uma empresa de água potável também se torna um exemplo de sustentabilidade ambiental.
A agricultura, que é a base da economia do Haiti, também não ficou para trás. Em 2024, a IFC desenvolveu um programa de consultoria para fortalecer a horticultura e melhorar os rendimentos dos pequenos produtores. De acordo com o Diagnóstico do Sector Privado do Haiti de 2021 da IFC e do Banco Mundial, o sector agrícola tem um enorme potencial de crescimento se conseguir superar os desafios de financiamento, infra-estruturas e acesso ao mercado. O relatório também identifica oportunidades nas energias renováveis, na digitalização e na indústria têxtil, um dos maiores empregadores formais do país graças às vantagens comerciais com os Estados Unidos.
Num ambiente de fortes restrições orçamentais, as parcerias público-privadas (PPP) parecem ser outro mecanismo eficaz para aumentar o investimento. Nesta área, a IFC está a trabalhar com a Autoridade Nacional de Abastecimento de Água e Saneamento (DINEPA) para estruturar um concurso público para identificar um operador privado qualificado para fornecer água potável a Las Caobas, na zona rural do Haiti. Há algumas semanas, a IFC assinou um memorando de entendimento com o Ministério da Economia para promover a produção de energia renovável através de uma PPP em Los Cayos, a terceira cidade mais populosa do país, onde a electricidade está disponível apenas algumas horas por dia.
A tarefa é monumental. Segundo o Banco Mundial, a taxa de desemprego no Haiti atingiu 15% em 2024. Além disso, mais de 60% da população (6,3 milhões de pessoas) vive na pobreza e 24% (2,5 milhões) vive na pobreza extrema. A fragilidade institucional, a violência dos bandos armados e a falta de infra-estruturas básicas aumentam o custo da actividade empresarial e desencorajam o investimento. Mas onde o mercado por si só não é adequado, a IFC e os seus parceiros estão a tentar abrir espaço através de mecanismos de partilha de riscos, empréstimos e aconselhamento técnico para demonstrar que investir no Haiti não é uma aposta perdida.

É claro que não se trata de substituir a assistência humanitária, que continua a ser essencial para milhões de haitianos, mas de complementá-la com projetos que abram o horizonte. A nova estratégia do Grupo Banco Mundial insiste nesta dupla dimensão: mitigar o impacto da emergência e, ao mesmo tempo, estabelecer as bases para um crescimento mais inclusivo e sustentável. No centro deste compromisso está a IFC, que se tornou fundamental para ajudar as empresas haitianas a dar um salto em meio ao caos.
A questão inevitável é se o investimento privado pode florescer num país sem estabilidade política mínima. Apesar dos riscos, o custo de não investir no Haiti é ainda maior. Cada megawatt de energia solar, cada litro de água engarrafada, cada produtor agrícola que consegue aumentar os seus rendimentos são pequenas vitórias que, somadas, podem fazer a diferença. Para um jovem haitiano que sonha com um emprego estável, ou para uma mãe que deseja acender as luzes sem depender de um gerador, estes investimentos não são números abstratos, mas vislumbres de dignidade.
No Haiti, onde a esperança é normalmente medida em dias e não em décadas, contar com o sector privado local é uma forma de moldar o futuro. A IFC, em colaboração com outras agências do Grupo Banco Mundial, decidiu que a recuperação não pode esperar até que todas as tempestades passem. Se a palavra “investimento” puder ser traduzida em empregos, energia e serviços básicos, talvez o Haiti consiga sair do ciclo do estado de emergência perpétuo.