O Sanchez mais falso é sempre o mais real. Ou vice-versa, o Sanchez mais verdadeiro é sempre o mais falso. Por isso são deliciosas aquelas entrevistas com expressões ao mesmo tempo calorosas e contritas, com tom fingido de intimidade, olhar baixo, olhos de cordeiro abatido. … e parece que ela nunca quebrou um prato. São como programas de rádio noturnos, onde só falta Jesus Quintero, que o incomodava com seus silêncios constrangedores ou com aquelas perguntas descontextualizadas como a que fez uma noite a Antonio Gala: “Você conheceu um homem?” – quando falou sobre sonhos literários. Em discursos como o de ontem perante Gemma Njerga, o Presidente recorda Mario Conde dos seus melhores dias; um retrato muito solene de um homem importante, sobrecarregado pelas suas responsabilidades, mas orgulhoso do seu estatuto ético. A mesma excelente forma de parecer modesto sob o perfil de uma pessoa de alto escalão em uma pose discreta.
É preciso arrumá-los para apresentar Abalos como o “grande desconhecido”, um homem que pode ganhar sua confiança e traí-lo com a frieza distorcida com que se atinge um amigo. Disse isso com a voz triste, com uma expressão dolorosa, com um rosto arrependido, como se lamentasse sinceramente não ter notado a enganosa condição humana do sujeito que percorreu quarenta mil quilômetros de estrada com ele e sentou-se ao lado dele por três anos no Conselho de Ministros. Como ele poderia saber que sua mão direita não poderia igualar a superioridade moral da esquerda? Quem lhe dirá que o seu mais fiel pretoriano, o disciplinado executor das tarefas mais delicadas e secretas, levou uma vida paralela tão dissoluta e desonesta? E como suportar agora esse desconforto, sendo alvo de ameaças e chantagens de um homem respeitado e que sempre foi considerado o mais leal dos colaboradores, o mais leal dos militantes?
Quase deram vontade de abraçá-lo, de sentir pena de seu sofrimento. Que dor incompreensível de um líder político o obrigou a suportar silenciosamente a intransigência dos seus adversários, a ingratidão ou infidelidade dos seus colegas, a solidão do poder, a falta de compreensão dos cidadãos, o peso avassalador do governo. Tanta dedicação e tanto esforço para acabar numa bolha de isolamento, rodeada de conspirações e desconfianças, bode expiatório da raiva do povo. Ele é um verdadeiro desconhecido, condenado pela escravidão de sua posição a projetar nas pessoas uma imagem de poder para esconder as decepções causadas por sua dedicação à sua causa. Graças a Deus que de vez em quando ele consegue se mostrar como é e como se sente em uma conversa sincera. O tipo de diálogo em que você deixa alguns traços emergentes do seu autorretrato. Pedro no seu ser oculto, revelado sem maquilhagem, sem máscaras, sem enganos.