— A geopolítica tornou-se um factor central na economia global. Marlene, como é que esta fragmentação afecta a empresa espanhola?
— A geopolítica deixou de ser um factor secundário; É o estado estrutural do ambiente de negócios. Tensões entre blocos … As pressões regulamentares nos setores da tecnologia e da energia, a reorganização das cadeias de abastecimento ou as restrições causadas por sanções apresentam um mapa muito mais complexo do que há cinco anos. Neste contexto, a empresa espanhola vive uma combinação única: maior volatilidade global, mas também um destino mais atrativo como porto seguro. Os relatórios de investimento da EY e da Deloitte apresentam Espanha como um dos países mais estáveis do sul da Europa, com níveis de infraestrutura, talento e segurança jurídica que são particularmente valorizados em ambientes voláteis. As empresas que integram esta leitura geopolítica na sua gestão, bem como no seu desempenho financeiro, são mais capazes de antecipar riscos e proteger de forma mais eficaz as suas decisões de investimento.
— A Espanha vive um novo ciclo de investimento. O que é levantar capital e quais as dificuldades que os fundos enfrentam para chegar aqui?
– Os dados confirmam isso. De acordo com a TTR Data, o mercado espanhol terminou 2024 com aproximadamente 2.100 transações de fusões e aquisições, um ligeiro aumento em relação a 2023, e o primeiro semestre de 2025 registou um aumento constante tanto no número de transações como na sua complexidade, especialmente nos setores de energia, infraestruturas, turismo e tecnologia. Embora o volume global ainda seja um pouco menor do que durante os anos de liquidez máxima, o interesse está a aumentar e o perfil das transacções está a tornar-se mais técnico.
A chegada de fundos internacionais se deve a uma combinação de estabilidade, talento, conexões e acesso a dois mercados estratégicos como a Europa e a América Latina. Mas o grande problema não é fechar a operação, mas gerenciá-la depois. Hoje o desafio não é tanto comprar bem, mas sim integrar-se bem. E surgem dificuldades óbvias: ritmos regulatórios diferentes, integração cultural mais lenta do que o esperado, maior sensibilidade aos mecanismos de preços e, sobretudo, justiça ordinária que não oferece momentos que exijam investimentos complexos. O investidor global não tem medo do risco; temer a incerteza.
— Você diz que as disputas após a aquisição não surgem durante a assinatura, mas durante a execução. Porque?
“Porque a complexidade das operações atuais significa que a empresa é apenas um ponto de partida. A maioria das divergências surge durante a execução, quando os mecanismos acordados devem materializar-se em dados reais, decisões operacionais e comportamento empresarial concreto.
Hoje, as tensões estão especialmente concentradas nos mecanismos de preços. Os ajustamentos de fecho tornaram-se uma das questões mais sensíveis: definições financeiras insuficientes, diferentes interpretações da dívida líquida ou do capital de giro e diferenças contabilísticas aparentemente pequenas podem levar a alterações significativas no preço final. E quando o preço inclui ganhos associados ao desempenho futuro, a sensibilidade aumenta ainda mais porque não estamos mais falando de um instantâneo específico, mas da própria gestão da empresa após a aquisição.
Soma-se a isso a fase pré-contratual, onde cartas de intenções criam expectativas que, se não forem rigorosamente gerenciadas, podem levar à responsabilidade quando uma das partes muda de posição. E, além disso, as representações e garantias, bem como as obrigações pós-contratuais, aumentam as tensões numa área particularmente sensível: contingências não reveladas, obrigações ocultas, informações incompletas ou violações de não concorrência ou não solicitação. Não é que as operações falhem; é que eles evoluíram e se tornaram muito mais complexos do que antes.
— Como as empresas podem minimizar essas disputas?
— A prevenção começa com o design. A arquitectura do contrato deve ser precisa, especialmente em termos de definições financeiras e de delimitação clara de responsabilidades. Uma parcela muito significativa dos conflitos poderia ser evitada se os acordos incluíssem exemplos numéricos, definições bem desenvolvidas e uma verdadeira coordenação entre as equipes jurídica e financeira.
O segundo elemento é entender o fechamento do negócio como uma fase estratégica e não como um procedimento administrativo. A maioria dos problemas surge da falta de consistência, da falta de acesso à informação ou da falta de clareza sobre como a empresa deveria ser administrada nos primeiros meses. Quanto mais transparência, menos atrito.
E o terceiro elemento é fornecer mecanismos eficazes de resolução de litígios. Nem tudo precisa ser judicial. A intervenção de peritos independentes, a mediação e a arbitragem permitem a resolução de litígios de forma rápida, especializada e sem exposição pública, o que é especialmente importante em transações transnacionais ou em setores altamente regulados.
— Aparentemente, a arbitragem tornou-se o mecanismo preferido para resolver este tipo de conflito. Porque?
– Por duas razões fundamentais. O primeiro é a confidencialidade. Muitas dessas controvérsias envolvem estimativas, definições contábeis, informações confidenciais ou até mesmo decisões estratégicas de negócios. A confidencialidade evita que estes debates se espalhem para a esfera pública ou para os tribunais, onde a visibilidade pode levar a um impacto desnecessário na reputação.
A segunda razão é a especialização. Em disputas que combinam contabilidade avançada, avaliação financeira, regulamentação do setor e execução contratual, é de extrema importância ter um tribunal composto por profissionais com experiência em M&A. Compreendem melhor a lógica do acordo, os seus mecanismos e aspectos sensíveis. E isso leva a uma tomada de decisão mais rápida e mais alinhada com a realidade empresarial.
– Se você tivesse que deixar uma mensagem aos soviéticos que consideram uma operação em 2025, qual seria?
“Eles entendem que o custo não é fixado no dia da assinatura, mas no dia seguinte. A geopolítica exige antecipação, a arquitetura contratual exige precisão e o pós-fechamento exige uma execução impecável. Aqueles que administram bem esses três níveis não apenas resolverão conflitos, mas também protegerão — e aumentarão — o valor de seus investimentos.