Os hábitos de consumo de cerveja estão a mudar e as grandes empresas espanholas do sector estão conscientes disso. Empresas como Mahou San Miguel, Damm ou Estrella Galicia começaram a explorar novas linhas de negócio para continuar a crescer através de outras categorias de produtos, que vão do café à água engarrafada, refrigerantes e bebidas energéticas. Uma série de marcas com as quais também têm mais poder de negociação com bares e restaurantes.
Por trás dessa transformação estão os números, que mudam os padrões de consumo e gastos dos clientes. Há alguns meses, o grupo Mahou San Miguel já admitia que as vendas de cerveja não estavam no seu melhor devido a “vários factores”, como explicou o seu CEO Alberto Rodríguez-Toquero. Entre eles estão “a incerteza geopolítica que vivemos, o aumento dos custos de vida e de transporte, que estão a afetar o consumo fora de casa”, assegurou. No entanto, embora a cerveja não tenha evoluído (no caso da Mahou San Miguel o consumo caiu 2%), a água engarrafada ainda aumentou 4%. “Solan de Cabras é a marca que mais cresce em valor”, admitiu Rodríguez-Toquero sobre a sua marca.
Este declínio é previsto por todo o setor. Por exemplo, a associação Cerveceros de España, que reúne todas as empresas locais, informou no seu último relatório anual que em 2024 (últimos dados publicados) “o consumo per capita entre os espanhóis foi de 52,8 litros, contra 55,5 litros no ano anterior, representando uma queda de 4,9%”. “Esta descida reflete um padrão de consumo mais contido por parte da população espanhola, que mantém a moderação como característica central, e também nos coloca entre os países da Europa com menor consumo per capita”, afirma Cervecheros.
O gráfico seguinte mostra como as vendas em milhões de hectolitros evoluíram e caíram no setor Horeca, que inclui toda a indústria hoteleira, desde bares a restaurantes.
Os cervejeiros observam que o consumo não está a crescer, apesar de o turismo, um dos impulsionadores dos gastos com cerveja, estar a viver os seus melhores momentos. “Entre os factores que explicam a queda do consumo nacional estão a inflação, que continua a afectar o poder de compra; a incerteza económica global, que está a ajudar a conter os gastos sociais; e um planeamento mais cuidadoso para sair da economia”, enumera. “A estes elementos também se soma um fator climático”, já que as ondas de calor impactam as esplanadas hoteleiras. Deve-se acrescentar que a geração mais jovem bebe menos. “Estão a liderar uma mudança cultural significativa em torno do álcool. Mais de metade dos jovens adultos afirmam ter reduzido o consumo de álcool e uma percentagem crescente não consumiu álcool no último mês”, salienta, com base em vários estudos.
O gráfico a seguir mostra a distribuição das vendas de cerveja entre as famílias (o que se compra em lojas, hipermercados e supermercados) e o setor hoteleiro, que inclui bares, restaurantes e hotéis.
Em que negócio eles se meteram?
Devido a esta mudança nas preferências, as cervejeiras estão a ter de se reinventar. É o que fazem todas as grandes empresas presentes em Espanha, embora em graus variados. A Heineken – dona da Cruzcampo e da Águila – aposta mais na cerveja, embora também se diversifique em produtos como a cidra Ladrón de Manzanas. Enquanto isso, outras empresas aceleraram ainda mais a expansão de seus produtos. Damm, por exemplo, se enquadra na categoria tônica com Fever Tree; no leite com Letona ou Cacaolate; em refrigerantes com Nestea; e possui lojas como a rede de sanduíches Rodilla, que, assim como a Damm, são controladas pela família Karceller. Maria Carceller é a CEO da Rodilla, e seu irmão Demetrio é o presidente executivo do grupo Damm.
Por sua vez, Mahou San Miguel comprou água de Solán de Cabras há dez anos. Além disso, a empresa lançou bebidas energéticas com a marca Refeel; em outros, à base de vinho Los Cachis; e a partir de janeiro de 2026 comercializará o Café 170º. “Nossa decisão de expandir além da cerveja é uma resposta à evolução dos hábitos de consumo”, explica Mahou. Conte também com outros produtos à base de álcool, como o vermute.
Algo semelhante está acontecendo com a Hijos de Rivera, controladora da Estrella Galicia, cujo portfólio de marcas inclui águas como Cabreiroá, Agua de Cuevas, Fontarel e Auara; Sidras Maeloc e vinhos Ponte da Boga ou Quinta Couselo. A empresa galega diz que acelerou este processo de diversificação no ano passado, ao lançar o Amara Brava Spritz e entrar no negócio do álcool, como o gin Vanangard ou os energéticos Mucho.
Mais oportunidades para negociações
Essa diversificação também dá às cervejarias maior poder de barganha na venda de suas marcas para bares e restaurantes. Ou seja, segundo fontes da indústria hoteleira, eles podem apresentar todos os seus produtos e vendê-los em pacote. As empresas sugerem que, ao aumentar a quantidade de alimentos que comem, ganharão massa muscular. “Procurámos fortalecer a empresa ao longo de toda a cadeia de valor: desde o lançamento da produção própria de malte até à logística. Isto dá-nos maior autonomia e capacidade de resposta no mercado”, afirma Damm, acrescentando que a empresa também oferece “soluções personalizadas para cada cliente”.
Neste processo de ampliação do foco. A Mahou San Miguel lançou também uma plataforma digital chamada Nexho, que centraliza encomendas, formação, informação, soluções tecnológicas e ferramentas de gestão para a indústria hoteleira, enumera. Além disso, ele observa que novos negócios têm ritmo próprio. “Nossas novas apostas – café ou bebidas energéticas – ainda estão em fase inicial.” O objetivo, diz, é que “o nosso pipeline de inovação, tanto na cerveja como nas novas categorias, represente 10% do nosso volume de negócios total em 2030”, para “estar aberto a novas oportunidades de mercado”. Além disso, garante que todas as categorias de não alcoólicos, incluindo a água, já representam 30% da sua potência.
“Cada negócio tem seu próprio ritmo”, explica Damm. “A nossa aposta nas bebidas não alcoólicas tem-nos permitido acelerar o crescimento, enquanto no negócio da restauração prosseguimos uma expansão mais progressiva e consolidada”, como é o caso da aquisição de A Padaria Portuguesa no mercado português através da Rodilla. Mas eles também não querem perder as raízes. “Somos e continuamos sendo uma cervejaria, esta é a nossa origem e o que nos define. Mas estamos olhando para o futuro”, conclui Damm.