Há artistas que pintam o que vêem, enquanto outros, quase parafraseando Gabriel García Márquez, pintam o que lembramos. Norman Rockwell pertence a este último.. Suas imagens não enfeitaram apenas as revistas: elas ajudaram a moldar a compreensão geral do lar, da sociedade e, especialmente, do Natal. Um homem sem cinismo, sem ironia, mas ao mesmo tempo cheio de consumismo e de toalhas xadrez. Um Natal quase insultuosamente fofo.
Rockwell nascido em 1894 (ele morreria em novembro de 1978) e por mais de meio século foi um cronista visual da vida cotidiana americana. Famílias numerosas, vizinhos intrometidos, crianças sardentas, avós pacientes e jantares que pareciam prestes a começar ou transbordar.
Sua magnífica vitrine foi Postagem de sábado à noitepara o qual fez mais de trezentas capas e muitas delas, naturalmente, foram entregues em dezembro.
O Natal de Rockwell não foi religioso nem grandioso. Foi caseiro. O milagre não aconteceu numa manjedoura, mas numa mesa pequena demais para tanta gente. O melhor exemplo é Liberdade de querer (liberdade de querer1943), parte de sua famosa série Quatro liberdades. Um peru gigante, uma família sorridente e a sensação de que ali mesmo, onde há comida, amor e abrigo, não falta nada: todas as necessidades já estão atendidas.
Contudo, seria injusto reduzir Rockwell a um cartão de Natal. Por baixo deste exterior amável havia um olhar que conhecia muito bem o seu tempo. Nos anos sessenta abordou o racismo (O problema com o qual todos vivemos – O problema com o qual todos vivemos), direitos civis e conflitos sociais com a mesma clareza narrativa com que pintou anteriormente Escoteiros e Carteiros. Não foi o seu estilo que mudou, mas o mundo.
Apesar disso, o seu legado permanece ligado a uma ideia muito específica: a ideia de um passado reconhecível, talvez idealizado, em que tudo parecia mais simples. Houve algum? Provavelmente não, mas Rockwell percebeu algo importante: a nostalgia não fala do passado, mas do presente. O que estamos perdendo? É por isso que as suas ilustrações voltam todos os anos em formato de postal: porque de certa forma nos lembram que o Natal não é um grande presente ou uma festa muito cara, mas sim um regresso àquela mesa onde há família, comida e abrigo, e nada mais é necessário.