Desde a época dos primeiros mitos da humanidade temos sido obcecado em enganar a morte. Nas tábuas de argila da antiga Mesopotâmia, o rei Gilgamesh embarcou numa busca desesperada pela imortalidade após a morte de seu amigo Enkidu, e milhares de anos depois, as escrituras judaicas falavam de Matusalém, um homem que viveu 969 anos. Durante séculos, alquimistas e cientistas perseguiram o mesmo sonho sob outros nomes (a fonte da eterna juventude, o elixir da vida, a pedra filosofal), mas a resposta parecia estar ao nosso alcance.
Hoje, a busca pela longevidade mudou seu roteiro, mas não sua dinâmica. Não se trata mais de ficções e feitiços, mas de moléculas, tecidos e algoritmos. O conceito de que todos os segredos da vida no mundo que nos rodeianas plantas, nos micróbios e até em outras espécies animais, mais vivas do que nunca. O paradoxo é que enquanto a ciência tenta decifrar estas pistas biológicas, a humanidade continua a destruir ecossistemas que podem conter medicamentos e respostas.
Enquanto isso, no lugar mais inesperado, ocorreu uma descoberta. Foram descobertas moléculas no sangue de cães que podem explicar por que envelhecemos e como podemos envelhecer melhor.
Aliados decifram a idade biológica
O estudo, conduzido por pesquisadores da Universidade Tufts e da Universidade de Washington, analisou amostras de sangue de quase 800 cães representantes de diferentes raças, tamanhos e idades participantes do ambicioso programa Projeto Envelhecimento Canino. O objetivo era rastrear as assinaturas químicas do envelhecimento num dos animais companheiros que mais partilham a nossa biologia, o nosso ambiente e o nosso modo de vida.
Os pesquisadores descobriram que aproximadamente 40% dAs pequenas moléculas presentes no sangue dos cãeschamados metabólitos, mudam com a idade. Estas descobertas aparentemente técnicas fornecem pistas de como o envelhecimento não se limita ao desgaste visível dos tecidos, mas deixa uma marca profunda na bioquímica interna, como se o tempo estivesse gradualmente reescrevendo a linguagem molecular de cada organismo.
Entre essas moléculas, os cientistas identificaram um grupo particularmente indicativo – aminoácidos modificados pós-tradução, ou ptmaA. Esses compostos são formados a partir duas maneiras diferentes: alguns aparecem durante a digestão dos alimentos pelas bactérias intestinais, outros – durante a degradação das próprias proteínas do corpo. Em ambos os casos, os ptmAA parecem atuar como marcadores da passagem do tempo, registros químicos que refletem o equilíbrio e a deterioração de processos vitais, como digestão, reparo celular e função renal.
O papel dos intestinos e dos rins no envelhecimento
O estudo descobriu que os níveis desses compostos aumentam quando a função renal está enfraquecida. Ou seja, cães cujos rins filtram com menos eficiência acumulam mais ptmAA no sangue. Esta descoberta confirma uma ideia central na biologia do envelhecimento de que o declínio fisiológico não afeta os órgãos isoladamente, mas é processo do sistemaonde os resíduos metabólicos se tornam sinais de alarme.
Além disso, a ligação entre o ptmAA e a microbiota intestinal sugere que o envelhecimento está incorporado não apenas nos genes, mas também nas comunidades microscópicas que nos habitam. Os cientistas sugerem que mudanças na composição bacteriana intestinal Eles poderiam alterar a produção dessas moléculas, afetando a taxa de envelhecimento das células e dos órgãos. Compreender esta relação – quais os micróbios que estão associados ao metabolismo mais jovem ou que aceleram a degradação – pode ser fundamental para o desenvolvimento de tratamentos preventivos tanto em cães como em humanos.
Do laboratório ao futuro da medicina preventiva
Próxima etapa Projeto Envelhecimento Canino acompanharão os mesmos cães ao longo de vários anos, analisando como a sua química interna muda à medida que envelhecem e correlacionando essas mudanças com fatores como massa muscular, dieta ou atividade física. O objetivo é desenhar mapa longitudinal da idade biológicaisto é, não tanto para saber quantos anos uma pessoa tem, mas quão bem ela está envelhecendo.
Os resultados podem mudar a medicina preventiva. Se os mesmos padrões moleculares forem confirmados em humanos, essas moléculas poderão servir biomarcadores pode prever o risco de doenças, a saúde dos órgãos ou até mesmo a expectativa de vida. Não se tratará mais apenas de prolongar os anos, mas sim de prolongar a qualidade desses anos.