Embora a infecção pelo VIH possa agora ser controlada e existam tratamentos eficazes, o vírus continua a ser um problema de saúde global. Estima-se que cerca de 41 milhões de pessoas vivam com VIH em todo o mundo, prevendo-se que 1.300 sejam diagnosticadas só em 2024. … 000 novas infecções. Em Espanha, nesse ano, houve 3.340 novos diagnósticos, mas mais de metade, 51%, foram tardios, o que significa que foram feitos quando o sistema imunitário da pessoa já estava comprometido. Das cerca de 150.000 pessoas que vivem com o VIH em Espanha, 7,5% (cerca de 11.000) ainda não sabem que vivem com o vírus.. Assim, a falta de diagnóstico precoce continua a ser uma das maiores barreiras ao controlo da infecção.
Estas questões foram o foco de um fórum organizado pela Gilead Sciences em colaboração com a ABC Salud para assinalar o Dia Mundial da SIDA. Nesta reunião foi apresentado “FILME“, um projeto da Gilead que visa estimular a discussão sobre a falta de informação sobre o vírus e quebrar medos e estigmas, especialmente aqueles associados aos testes de diagnóstico. “Precisamos de uniformizar o teste de VIH para fazer um diagnóstico o mais rapidamente possível”, afirmou Inma Harrin, investigadora do Instituto de Saúde Carlos III e defensora da iniciativa.
O HIV ainda está aqui
Harrin reconheceu que se registam progressos e que “estamos no caminho certo”, mas insistiu que agora não é altura de relaxar: “A prevenção, o diagnóstico precoce e o acesso universal ao tratamento anti-retroviral devem ser reforçados”. Salientou também a necessidade urgente de chegar aos grupos mais vulneráveis, como os migrantes, para os quais exigiu “atenção rápida, real e sem entraves”.
Um dos maiores avanços ocorreu no campo do tratamento médico. “Tudo mudou radicalmente. A terapia antirretroviral mudou a vida das pessoas com VIH, permitindo-lhes levar uma vida plena comparável à da população em geral”, explicou Concha Amador, do serviço de doenças infecciosas do Hospital Marina Baixa, em Alicante.
Devemos padronizar os testes de HIV para garantir o diagnóstico o mais rápido possível.
Inma Jarrin
Investigador do Instituto de Saúde Carlos III
Os tratamentos modernos podem reduzir a carga viral até que se torne indetectável e, quando uma pessoa é indetectável, não transmite o vírus. Este conceito, conhecido como I=I (Indetectável = Intransmissível), revolucionou a luta contra o VIH.. “Há alguns anos isto era impensável. Temos que repetir isto de forma clara e constante porque muitas pessoas não sabem disso, incluindo profissionais médicos”, insistiu Amador. A falta de detecção não só previne a transmissão, mas também melhora a adesão ao tratamento, reduz o estigma e facilita as relações sociais, emocionais e sexuais.
No entanto, atingir esse objetivo exige que as pessoas sejam testadas. “Qualquer pessoa sexualmente ativa deve fazer o teste pelo menos uma vez na vida, conforme recomendação da OMS”, lembrou Amador. Tanto ela como Harrin pressionaram para que o teste do VIH fosse uma parte adicional do rastreio dos cuidados de saúde de rotina e para quebrar as barreiras de acesso ao sistema de saúde.
O papel das organizações públicas
As organizações que trabalham na área do VIH têm promovido esta normalização há muitos anos. “Fazemos campanha pelas populações vulneráveis e abordamos os determinantes sociais da saúde. Muitos migrantes chegam sem recursos ou acesso a cuidados de saúde. É por isso que estamos a promover testes rápidos e a encaminhar aqueles que apresentam resultados positivos”, disse Carmen Martin, Coordenadora da ACAS e Presidente do CESIDA. Também trabalham com homens que fazem sexo com homens, um grupo que representa quase 50% dos novos diagnósticos, e outras populações invisíveis, como mulheres trans, profissionais do sexo, mulheres migrantes ou mulheres heterossexuais que desconhecem o risco.
Qualquer pessoa sexualmente ativa deve fazer o teste pelo menos uma vez na vida, conforme recomendação da OMS.
Concha Amador
Serviço de doenças infecciosas do Hospital Marina Baixa de Alicante
Martin falou por experiência própria. “Fui diagnosticado quando tinha 19 anos, em 1991. Então foi quase uma sentença de morte. Me deparei com a ideia de que não teria futuro, companheiro, filhos… até mesmo a ideia da morte.” Ao longo dos anos, porém, ela teve que enfrentar outros desafios: querer ser mãe, provar que, se não fosse detectada, não transmitiria o vírus, e suportar comentários ofensivos como o fato de seu filho ser “filho de uma mãe com HIV”. “Não é o vírus que dói, é o estigma. Isso é um julgamento, a pergunta “como você se infectou?”, como se houvesse culpa.”
Ciência, indústria e sociedade
As conquistas acumuladas são resultado do esforço de diversos players, inclusive da indústria farmacêutica. Maria RioCEO da Gilead em Espanha e Portugal, lembrou que a empresa foi fundada em 1987, logo no início da pandemia da SIDA, com o objetivo de desenvolver soluções num contexto em que a morte era o horizonte imediato. “Para nós, este foi um caminho paralelo à história do VIH. Estamos orgulhosos de ter ajudado a transformar uma infecção mortal numa infecção crónica.” Quase quatro décadas testemunharam dois marcos importantes: o desenvolvimento do primeiro tratamento abrangente num único comprimido diário, que transformou a qualidade de vida, e a PrEP, que permitiu avanços na prevenção.
Rio observou que O futuro está em adaptar o tratamento às necessidades de cada indivíduo.: recomendações semanais, mensais, trimestrais ou mesmo semestrais, e para prevenção – doses anuais. Ele também mencionou o horizonte de cura, “um desafio difícil, mas não mais difícil que outros já conquistados”.
Estigma que persiste
Apesar disso, o estigma continua a ser uma das maiores barreiras. 10% da população espanhola afirma que não gostaria de interagir com pessoas que vivem com VIH e 26% dos profissionais de saúde cuidam destas pessoas usando luvas duplas. Martin vive isso todos os dias: “O estigma afeta não só a mim, mas também a quem me acompanha”.
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Temos as ferramentas para mudar o curso da infecção, mas precisamos do compromisso de todos: administração, especialistas, comunidades e indústria.
Maria Rio
CEO da Gilead Espanha e Portugal
A desinformação é a raiz de muitas atitudes discriminatórias. Mesmo as pessoas com diagnóstico recente mantêm preconceitos internalizados associados ao conhecimento de que viveram com o vírus. “Mesmo que sejam invisíveis, têm medo de transmitir isso. O medo de prejudicar outra pessoa é muito difícil de superar”, explicou Martin. É por isso que ele insiste em espalhar a mensagem “eu = eu”: “Eu penduraria em qualquer lugar, até na árvore de Natal”.
A falta de formação também afecta alguns profissionais médicos. “Muitos não-especialistas candidatam-se demasiado rapidamente devido à falta de conhecimento. Precisamos de educação contínua, não apenas durante a Semana da SIDA”, disse Amador. O estigma cria ansiedade, tristeza, depressão, isolamento e diminuição da adesão ao tratamento. É por isso que é fundamental criar espaços seguros onde as pessoas se sintam respeitadas.
O Rio sugeriu ações em vários níveis: melhorar a comunicação entre profissionais e pacientes, promover o apoio dos pares e capacitar as pessoas com VIH. Neste contexto surge a campanha global “You Now”, que incentiva cada paciente a assumir o controlo da sua saúde e inclui campanhas educativas para a população em geral.
Destrua mitos e cuide da sua saúde mental
“Precisamos de mais campanhas de educação sexual e de sensibilização”, insistem os especialistas. Um exemplo é o Projeto Vivenciando o HIV, que reúne 14 pessoas anônimas expostas a dinâmicas que desafiam seus preconceitos e que terminam o dia com uma perspectiva diferente sobre a infecção.
Esconder-se por medo cria dor e solidão; mas a aparência também significa enfrentar julgamentos constantes
Carmem Martins
Coordenador ACAS e Presidente do CESIDA
O impacto psicológico do estigma é profundo. A ansiedade, a depressão e a insónia são muito mais comuns entre as pessoas com VIH e muitas vezes não são diagnosticadas. “Esconder-se por medo cria tristeza e solidão; mas a visibilidade também significa que enfrentamos julgamento constante”, disse Martin. É por isso que ele afirma que “aparência, sim, mas também cuidado, respeito, igualdade de tratamento e direitos“
O grande desafio pela frente
O VIH é controlado clinicamente, mas não socialmente. “O maior desafio é acabar com o estigma e a discriminação.— Jarrin resumiu. Rio concordou: “Temos as ferramentas para mudar o curso da infecção, mas precisamos do compromisso de todos: administração, especialistas, comunidade e indústria”.
Carmen Martin, que vive com o vírus há 34 anos, concluiu o seu discurso com um desejo simples mas revelador: “A única coisa que peço para o futuro é morrer sem estigma”.