Os povos indígenas encheram as ruas, remaram nos canais e protestaram no centro da cidade para fazerem ouvir as suas vozes durante as negociações climáticas das Nações Unidas, que deveriam dar-lhes uma voz como nunca antes na conferência anual.
À medida que as conversações, denominadas COP30, terminavam no sábado em Belém, Brasil, os povos indígenas refletiram sobre o que a conferência significava para eles e se foram ouvidos.
Os líderes brasileiros tinham grandes esperanças de que a cimeira, que terá lugar na Amazónia, capacitaria as pessoas que vivem na terra e protegeria a biodiversidade da maior floresta tropical do mundo, o que ajuda a prevenir as alterações climáticas à medida que as suas árvores absorvem a poluição de carbono que aquece o planeta.
Muitos povos indígenas que participaram nas conversações sentiram-se fortalecidos pela solidariedade com tribos de outros países e alguns apreciaram as pequenas vitórias no resultado final. Mas, para muitos, as conversações careceram de representação, ambição e ação real sobre as questões climáticas que afetam os povos indígenas.
“Esta foi uma COP onde éramos visíveis, mas não capacitados”, disse Thalia Yarina Cachimuel, membro Kichwa-Otavalo da Delegação dos Guardiões da Sabedoria, um grupo de povos indígenas de todo o mundo.
Alguma linguagem vence, mas nada sobre combustíveis fósseis
O primeiro parágrafo do texto político principal reconhece “os direitos dos povos indígenas, bem como os seus direitos à terra e ao conhecimento tradicional”.
Taily Terena, uma mulher indígena da nação Terena no Brasil, disse estar feliz porque o texto menciona explicitamente esses direitos pela primeira vez.
Mas Mindahi Bastida, membro otomi-tolteca da Delegação dos Guardiões da Sabedoria, disse que os países deveriam ter pressionado mais por acordos sobre a eliminação progressiva de combustíveis como petróleo, gás e carvão “e não ver a natureza como uma mercadoria, mas vê-la como algo sagrado”.
Vários países pressionaram por um roteiro para reduzir o uso de combustíveis fósseis, que, quando queimados, liberam gases de efeito estufa que aquecem o planeta. A decisão final de sábado omitiu qualquer menção aos combustíveis fósseis, deixando muitos países desapontados.
O Brasil também lançou um mecanismo financeiro para o qual os países poderiam doar, o que deveria ajudar a incentivar as nações ricas em florestas a manterem esses ecossistemas intactos.
Embora a iniciativa tenha recebido promessas monetárias de alguns países, o projeto e a ideia de criar um mercado para o carbono são soluções falsas que “não param a poluição, apenas a movem”, disse Jacob Johns, um guardião da sabedoria das nações Akimel O’Otham e Hopi.
“Eles dão às empresas uma licença para continuarem a perfurar, queimar e destruir, desde que possam apontar uma compensação escrita no papel. É a mesma lógica colonial disfarçada de política climática”, disse Johns.
Preocupações com tokenismo
Desde o início da conferência, alguns participantes indígenas temeram que visibilidade não fosse o mesmo que verdadeiro poder. No final, esse sentimento persistiu.
“O que vimos nesta COP é um foco na presença simbólica, em vez de permitir a participação plena e eficaz dos povos indígenas”, escreveu Sara Olsvig, presidente do Conselho Circumpolar Inuit, numa mensagem após a conclusão da conferência.
Edson Krenak, gerente brasileiro do grupo de direitos indígenas Cultural Survival e membro do povo Krenak, não acredita que os negociadores tenham feito o suficiente para visitar as florestas ou compreender as comunidades que vivem lá. Ele também não acreditava que o acesso de 900 indígenas ao recinto principal fosse suficiente.
Sônia Guajajara, Ministra dos Povos Indígenas do Brasil, que também é indígena, formulou a convenção de forma diferente.
“É inegável que esta é a maior e melhor COP em termos de participação e protagonismo indígena”, afirmou.
Os protestos mostraram o poder da solidariedade indígena
Embora as decisões dos delegados tenham deixado alguns participantes indígenas desanimados, muitos disseram que se sentiram fortalecidos por participarem em manifestações fora do local.
Quando a cimeira começou, em 10 de novembro, Paulo André Paz de Lima, um líder indígena amazónico, pensava que a sua tribo e outras não tinham acesso à COP30. Durante a primeira semana, ele e um grupo de manifestantes quebraram a barreira para entrar no local. As autoridades intervieram rapidamente e impediram o avanço.
De Lima disse que a lei ajudou os povos indígenas a amplificar suas vozes.
“Depois de quebrar a barreira conseguimos entrar na COP, entrar na Zona Azul e expressar as nossas necessidades”, disse, referindo-se à área oficial de negociação. “Ficamos mais próximos (das negociações), ganhamos mais visibilidade.”
O significado do protesto nesta COP não foi apenas chamar a atenção dos não-indígenas, mas também pretendeu ser uma forma de os povos indígenas se comunicarem entre si.
Na última noite antes de se chegar a um acordo, um pequeno grupo com cartazes entrou no local, protestando contra casos de violência e destruição ambiental, desde o recente assassinato de um jovem guarani em seu próprio território até o proposto Projeto de Transmissão de Gás Prince Rupert no Canadá.
“Temos que nos unir para nos mostrar, sabe? Porque eles precisam nos ouvir”, disse Leandro Karaí, do povo Guarani da América do Sul, de solidariedade entre grupos indígenas. “Quando estamos juntos com outras pessoas, somos mais fortes.”
Eles cantaram ao som constante de um tambor, deram os braços em fila e marcharam pelo longo corredor da sede da COP até a saída, quebrando o silêncio nos corredores enquanto os negociadores permaneciam presos lá dentro.
Então eles surgiram, elevando a voz, sob um céu amarelo.
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