O bom de Hakuna em Madrid é que o resto das cidades se livraram da cor marrom. A menos que sejam semelhantes ao Boney M, é claro, marca sob a qual vários grupos se escondiam, tocando simultaneamente as mesmas músicas em palcos diferentes. … Europa. Mas Hakuna, como a Espanha, é apenas uma aqui. E como disse El Perich, o resto do mundo nunca nos poderá agradecer o suficiente. Teria preferido que Joaquín Sabina cantasse canções de Natal, algo mais espanhol e mais tradicional, algo parecido com o que ele fazia. Bob Dylan neste álbum, “Natal no Coração”. E isso tem o seu mérito, já que Dylan é de origem judaica. Mas, como ele mesmo observou, “as canções natalinas pertencem a todos e cada um pode se identificar com elas à sua maneira”. É este espírito, e nenhum outro, que deve ser mantido em tempos de trincheiras e de pós-modernidade.
Em casos como este, acho bom que Dylan tenha ganhado o Prêmio Nobel de Literatura. Ele certamente mereceu, e essa decisão não só não humilhou o prêmio, mas, pelo contrário, ampliou-o. Entre outras coisas, serviu para lembrar que a literatura não se limita à narração de histórias e inclui ensaios, poesia, teatro, colunismo… e música, à medida que constrói um mundo de palavras, um olhar livre e uma voz reconhecível. É claro que, antes do advento da imprensa, a literatura já era cantada e recitada, digamos, para Homero ou para o próprio Shakespeare, que escrevia para ser lida. Assim, Dylan, como tantos outros, devolveu a palavra literária às suas origens orais, populares e geralmente estranhas. É o caso de Sabina, que, tal como Dylan, nos ensina que as canções podem ser escritas fora do cânone e incorporar imagens poéticas, metáforas complexas e narrativas pessoais incomuns na música pop tradicional. As suas letras não se limitam a criar estruturas padronizadas, mas abrem um território moral e sentimental próprio, reconhecível desde o primeiro verso, onde se inscrevem a ironia, a derrota e depois o luto, contados com a grandeza de uma linguagem acessível a poucos. Esta liberdade de escrever e a capacidade de fazê-lo através da sublimação da linguagem é o legado mais profundo de Sabina. E isto importa muito mais do que alguns estão dispostos a admitir, porque ele já não é apenas um músico popular: com a sua reforma surge um escritor que cantava porque, como escritor, queria chegar a todos. E ele fez isso.
O legado de Sabina é incompreensível não só na Espanha, mas também na América, ou seja, em todo o mapa da Espanha. O seu apostolado é incomparável em beleza, e De purísima y oro por si só, por exemplo, conta a história do pós-guerra melhor do que toda a narrativa social junta. Eu acho que é inegável Sabina merece uma princesa da literatura asturiana. E merece neste momento, quando apara o rabo e põe fim ao enorme trabalho que já faz parte do património coletivo. Como tal, deve ser reconhecido. Que contem isto ao meu vizinho Herrera, o velho amigo Flaco, que, como todos nós que nos esforçamos por escrever e não por redigir, admira a sua pena de profeta e de penitente. A importância de Sabina não pode ser quantificada. Mas não só para nos ensinar a escrever, mas, sobretudo, para nos ensinar a sentir, a olhar e a ligar as linhas que ligam os dois pontos ao mesmo tempo, dos dons e das deficiências. Lamentamos Robe e Jorge Martinez. Costumávamos lamentar Antonio, Aute e Krae. Por precaução, não ignore isso. Então é tarde demais, princesa.