novembro 27, 2025
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“Ela tinha apenas dois anos, eu tinha cinco. Papai perdeu o emprego e começou a pensar que seus filhos o estavam bloqueando e levando-o à pobreza.” Phils fala para a câmera enquanto sua irmã Ruth, muitos anos depois, ainda começa a chorar. “Ele nos chamou de bruxas, nos bateu. Um dia, papai nos disse que se voltássemos para casa, ele nos mataria”, diz esta menina congolesa.

Fils e Ruth Makani, agora jovens adultos, são os protagonistas do documentário. Kobotama Lisusu (Renascidoem Lingala), dirigido pelo madrilenho Álvaro Hernández Blanco, que estreia esta quinta-feira à tarde no Cines del Palacio de la Prensa, em Madrid.

“Ruth e Phils conseguiram avançar apesar de todos os obstáculos. Principalmente porque tiveram a oportunidade e, sobretudo, porque puderam aprender”, explica Hernández Blanco em entrevista a este jornal, que já realizou outros documentários, todos com enfoque social, como Aqui continuamossobre os últimos falantes da língua indígena Kual no México ou Cayucos de Cayarasobre o fenômeno da migração em uma cidade do Senegal, candidata a Goya em 2025.

Ruth e Phils conseguiram seguir em frente apesar de todos os obstáculos. Principalmente porque lhes foi dada a oportunidade e sobretudo porque puderam aprender

Álvaro Hernández Blanco, diretor de cinema

Estes irmãos congoleses representam os milhares de crianças acusadas de bruxaria no país pelos seus familiares e muitas vezes abandonadas à sua sorte nas ruas. Enurese noturna, insônia, inchaço ou algum tipo de deficiência podem ser suficientes para acusar um menino ou uma menina de ser bruxo. As crianças também são culpadas pela pobreza ou pelo infortúnio familiar e são frequentemente abandonadas.

Em 2007, a ONG Save the Children estimou que cerca de 70 mil rapazes e raparigas congoleses foram acusados ​​de bruxaria. Segundo a UNICEF, só em 2019, houve mais de 13 mil crianças perseguidas por este motivo na capital Kinshasa. A agência da ONU acredita que certas crenças, a pobreza e o aumento do número de órfãos devido a conflitos estão a alimentar a tragédia.

“A guerra, sem dúvida, tem a ver com esse drama. As crianças que perderam os pais são levadas daqui para lá, às vezes acabam com parentes distantes que não as amam, não esperam por elas, não têm dinheiro para sustentá-las e as acusam de serem bruxas”, explica o diretor.

“A história de Phils e Ruth também é algo parecido. Eles foram daqui para lá até pousarem em um bom lugar e conseguirem se recuperar”, completa.

O poder do cinema

Um desses bons locais foi o orfanato Mama Coco, em Kinshasa, o maior do país, que acolhe várias centenas de crianças abandonadas, algumas das quais são acusadas de bruxaria, e uma percentagem significativa também é deficiente.

“Violações graves. Não queria focar nisso para não se tornar mórbido desnecessário, mas para onde quer que você olhasse, havia um menino ou uma menina com deficiência”, lembra Hernandez Blanco.

“Neste orfanato, crianças como Phils e Ruth estão convencidas de que não são bruxas e não trazem azar. Restaurar estes bebés é um trabalho maravilhoso e muito difícil, especialmente porque há muito amor, mas não há recursos suficientes”, acrescenta o diretor.

Hernandez Blanco explica que poucas semanas após as filmagens de Mama Coco houve um surto de cólera e várias crianças morreram. “Talvez as crianças que aparecem no documentário. Foi muito, muito difícil”, explica.

Usamos o poder do cinema para emocionar e mobilizar as pessoas para conscientizar sobre a situação, ao mesmo tempo que o documentário oferece uma solução endossada por uma fundação que tem um projeto de bolsas de sucesso para ajudar crianças.

Álvaro Hernández Blanco, diretor de cinema

O documentário, filmado em Abril em Kinshasa, foi produzido pela fundação espanhola Friends of Monkole, que tem mais de uma dezena de projectos no país africano e já ajudou cerca de 150 mil pessoas, especialmente mulheres e crianças, desde a sua criação em 2017.

“Usamos a força do cinema, que move e move, para chamar a atenção para a situação e, ao mesmo tempo, o documentário oferece uma solução aprovada pela fundação, que tem um projeto de bolsas de sucesso para ajudar crianças em orfanatos”, resume Hernández Blanco.

“Os personagens principais do curta representam esse sucesso. O melhor desse documentário, que não é um vídeo corporativo, são as vozes de Fils e Ruth. Eles contam sua história. Não foi fácil, principalmente no caso dela, que ainda tem traumas e complexos muito fortes”, completa.

Após a estreia do documentário, a Fundação Amigos de Monkole lançou um programa de bolsas para matricular inicialmente 50 crianças de dois orfanatos em Kinshasa. “Estamos convencidos de que a educação é fundamental para o desenvolvimento de um país e é uma garantia de igualdade de oportunidades para todas as crianças”, afirmou o presidente da Fundação, Enrique Barrio.

Segundo a UNICEF, 7,6 milhões de crianças congolesas entre os cinco e os 17 anos não frequentam a escola. “O que podemos mudar dependerá da educação. Se a sua família não o criou bem, você não terá sucesso a menos que encontre pessoas que o ajudem”, diz Ruth, agora estudante de enfermagem em Kinshasa, à câmara.